Capítulo 1

Um Homem de cabelos castanhos claro, de olhos azuis, com cerca de quarenta e cinco anos veste-se lentamente e com esmero, observando-se no espelho, para ter certeza de que tudo está em seu devido lugar. O que faria a seguir era muito importante. Nada podia estar fora de ordem.

Após colocar uma camisa sem mangas, ele passou uma corrente de prata com uma cruz feita do mesmo material, pela cabeça; e observou como ela se destacava em seu peito. Passou a mão por cima da cruz, sentindo o material frio contra sua mão. Parecia que aquela cruz lhe era um objeto desconhecido a ele. Como se usá-la o fizesse se sentir outra pessoa. Era como se usasse uma fantasia.

Seus braços eram tatuados nos bíceps e no antebraço direito. O Homem observou as tatuagens por um momento, para em seguida sacudir a cabeça para livrá-la de qualquer pensamento inútil. Tinha algo a fazer.

Logo, ele colocou um colete à prova de balas e uma camisa social por cima, prendeu seu relógio ao pulso e deu mais uma pequena olhada no espelho. Ainda faltava algo.

O Homem colocou seu sobretudo e luvas de couro preto nas mãos. Agora só faltava o toque final. O mais importante. Abriu uma gaveta e tirou uma arma de dentro. Uma Glock nove milímetros. Acoplou um silenciador a ela e, por fim, se dirigiu à porta, guardando num dos bolsos de dentro do sobretudo.


Enquanto isso, um padre, em algum lugar da cidade também se arrumava, para em seguida pegar sua bíblia e seu crucifixo para fazer suas orações, antes de entrar no confessionário e esperar os fiéis que quisessem tirar o peso de suas consciências naquela noite.

Talvez se soubesse o que ia acontecer, pensasse duas vezes antes de fechar a porta daquele confessionário.


O Homem entrou na igreja e caminhou tranquilamente até o altar, onde uma garota cantava "Noite Feliz". Por um momento parou e observou o altar, como se fosse rezar, mas nada que se parecesse com uma oração passava pela sua mente. Na verdade, sua mente era povoada por um único pensamento: vingança.

Quando desviou seus olhos do altar, observou a garota que continuava cantando calmamente. Obviamente, ela não sabia como o mundo podia ser cruel. Que decepção teria quando crescesse.

Ele olhou mais uma vez para o altar e seguiu para o lado esquerdo, reparando que duas mulheres rezavam sentadas. Para que seria?

Por fim, chegou ao confessionário e entrou, sentando-se a seguir. Fechou os olhos e baixou a cabeça por um momento. Era hoje ou nunca.


Não precisou esperar muito antes de ouvir a janela que o separava do padre ser aberta e permitir que ele visse o senhor que tinha uns setenta anos, por uma tela de madeira.

- Tem alguém aí? – Perguntou o padre parecendo um tanto entediado.

- Perdoe-me, padre, pois pequei em pensamento, palavra e ação. Confesso ao Deus todo poderoso e ao senhor padre. Minha última confissão foi há trinta e cinco anos. – Disse o homem, de forma robótica. Como se tivesse ensaiado aquelas palavras.

- Faz muito tempo. Gostaria de contar seus pecados?

- Eu disse coisas, fiz coisas, coisas horríveis.

- E se sente culpado por isso?

- Não.

- Entendo. – O padre estava bastante acostumado a ouvir esse tipo de coisa. Provavelmente aquele homem diria que tinha dormido com a esposa do melhor amigo ou algo do tipo. – De que tipo de coisas está falando? – O Homem lhe dirigiu um olhar vazio, sabendo que chocaria o padre.

- Noite passada eu matei um homem. – O padre encarou-o de olhos arregalados. Como alguém podia confessar algo desse tipo tão tranquilamente?


Um homem de trinta anos, de cabelos pretos, magro e desesperado, entrou num quarto de hotel correndo, mas o Homem entrou atrás dele, chutando a porta e atirando na parede a sua frente repetidas vezes, para que o mais novo parasse de se mover. Como o Homem utilizava um silenciador, ninguém viria perturbá-los.

- Venha aqui, Jimmy. – Chamou o Homem. – Deixe-me vê-lo. – O Homem lhe apontava a arma, segurando-a com as duas mãos, para que ficasse bem firme. Jimmy se virou para ele amedrontado. O que poderia fazer para escapar dessa? O Homem olhava para ele indiferente.

- Sei o que o senhor Iglesias está pensando, por isso fugi. – Jimmy tentou explicar. – Mas... É tudo um engano. – Suas mãos tremiam e ele gaguejava.

- Não há engano. – O Homem respondeu simplesmente, sempre lhe apontando a arma. – Do contrário, eu não estaria aqui. Onde está o dinheiro? – Jimmy só o encarou. Será que não havia outro jeito? – Onde está o dinheiro? – Falou mais alto. Jimmy piscou e apontou para o lado da cama. – O quarto era simples. Uma cama de casal, banheiro, poucos móveis. Um típico quarto de hotel de beira de estrada.

- Não acho que você... – Jimmy tentou dizer, mas foi interrompido.

- Não.

- Não sabe o que eu ia dizer. – Gaguejou Jimmy, tremendo.

- Sei exatamente o que você ia dizer. A resposta é não. Não tem escapatória. – Jimmy engoliu em seco aceitando seu destino.

- Se eu tiver um momento, gostaria de fazer as pazes com Deus. – Já que não tinha jeito, pelo menos tinha direito a um último pedido. – O Homem baixou a arma lentamente e ficou observando com a testa franzida, enquanto Jimmy tirou uma corrente de prata com uma cruz, que estava pendurada em seu pescoço, de dentro do casaco e retirou-a pela cabeça, enquanto de ajoelhava, segurando-a e começou a rezar de olhos fechados.

Ele observou Jimmy ceticamente. Será que realmente era possível que as pessoas acreditassem que seriam salvas depois de uma vida de crimes, apenas rezando um "pai-nosso" e uma "ave Maria" antes de morrer? O Homem andou até ficar atrás de Jimmy e esperou apontando a arma para a cabeça dele. Logo voltou a se mover e ficou de frente para o moreno. Preferia matá-los de frente.

Achava muito estranha essa repentina fé. Será que era assim tão simples? Não conseguia tirar os olhos de Jimmy. O rapaz parecia mesmo acreditar que seria salvo. Quando terminou, Jimmy abriu os olhos e o encarou.

- Eu te perdoo. – Engolindo em seco o Homem levantou a arma, parecendo apreensivo. O que significava isso? Titubeou por um segundo, para em seguida atirar na cabeça de Jimmy.

O sangue manchou uma divisória de madeira que estava atrás de Jimmy, e servia para dividir o quarto. O moreno caiu no chão com um baque surdo.

O Homem olhou o corpo e depois pegou a mala de dinheiro, abrindo-a para conferir se era a mala certa. Quando viu vários maços de notas teve certeza. Passou a alça da mala através do peito e foi em direção à porta.

Parou novamente para observar o corpo e pegou a corrente com a cruz, a mesma que usaria na noite seguinte. Ergueu-a e fitou-a por um longo momento, sem fazer qualquer movimento para sair do quarto.


- Precisa ir à polícia. – Disse o padre chocado com a história.

- Não é uma opção, padre.

- Como espera perdão se não está disposto a se arrepender?

- Não estou aqui por perdão. Estou aqui, pois quero entender.

- Entender o quê? – O que esse homem queria? Será que era louco? Como podia estar tão tranqüilo após cometer um crime dessa magnitude?

- O homem que matei ontem. Ele sabia que ia morrer. – Explicou o Homem bastante calmo e parecendo genuinamente confuso. – Pediu um momento para rezar e eu deixei. E vi uma paz tomar conta dele. O tipo de paz que nunca vi antes.

- A paz veio da fé dele.

- Como ter fé em algo que não pode ser provado? – O padre não entendia. Ele parecia um homem são com dúvidas normais. Mas estava falando do homem que matara.

- Isso é a fé.

- Não, padre. Isso é esperança. – O Homem fixou seus olhos nos do padre. – Tememos tanto que isso seja tudo, que criamos a ilusão de uma alma eterna.

- Você matou um homem. – Disse o padre com convicção. Não podia ficar perto daquele homem cínico por muito tempo mais.

- Matei vários. É quem eu sou. É o que faço. – Ele falava como se fosse algo que não pudesse mudar. Como se fosse um fato. – Na verdade, devo matar alguém hoje.

- Não vou ouvir mais. – Era demais para o padre. Como poderia continuar ali? Precisava de ar.

- Por favor, padre. Acha mesmo que o mundo vai sentir falta de outro ser humano inútil? – O padre respirou fundo.

- Nos ensinaram sobre compaixão no seminário. Outro padre já tinha me falado sobre isso. Mas nunca vivi essa experiência. – Pensou que nunca teria que passar por isso. Ouvir a revelação de um crime, um assassinato, em segredo de confissão era uma das piores coisas que podiam acontecer a um padre. – Não vou fazer isso. – Se levantou apressado.

- Sente-se. – Pediu o Homem tranqüilo ao ver o padre de pé. – Mandei sentar-se. – Falou mais alto vendo que o padre não obedecia. – Agora! – Por fim quase gritando, apontou a arma para o padre, que voltou a sentar a contragosto. – Quando entrei aqui, havia duas mulheres rezando na frente da igreja. – O Homem quase sussurrava essas palavras. – Se sair desse confessionário, vou até lá e mato as duas. – Ainda apontava a arma para o padre.

- Não faria isso. – Disse o padre indignado.

- Não? Me conhece a menos de três minutos, e acha que já sabe o que vou fazer ou não? – O Homem parecia desafiá-lo a duvidar de sua palavra. Parecia estar ficando com raiva, pois falava cada vez mais alto. – Não ouviu uma palavra do que eu disse? – Ao terminar essas palavras suspirou e voltou a falar baixo. – Uma demonstração está a caminho. – Tinha voltado ao controle. Se o padre queria provas, era isso que teria.

- Por favor, não, pelo bem do nosso senhor! – Implorou o padre, arrependido de sua atitude.

- Não, padre. Isso é para o seu bem. – O Homem levantou e saiu do confessionário segurando a arma, antes que o padre pudesse fazer qualquer coisa.