Innocent

Por MarauderLover7

Traduzida por Serena Bluemoon

Tradução autorizada pela autora!

Disclaimer: A autora, MarauderLover7, não possui Harry Potter, apenas o plot desta fanfiction. A tradutora, Serena Bluemoon, não possui nem o plot nem Harry Potter, apenas o trabalho de traduzir. Nenhuma das supracitadas ganha qualquer coisa além de satisfação pessoal e comentários.

Aviso IMPORTANTE! Gente, é o seguinte. Eu comecei a ler essa fiction em inglês há um tempo e me apaixonei por ela. Eu pedi autorização para traduzir à autora e ela concordou, mas me avisou de que havia outra pessoa traduzindo. Ela achava que a tradução havia sido abandonada por não ser atualizada há meses. De fato, a Nessinha Cullen estava traduzindo e, de fato, não atualiza há meses. Eu tentei entrar em contato para ver se ela daria continuidade ou se eu poderia assumir o trabalho, mas ela não me respondeu, então eu não tenho como saber a posição dela no assunto. Estou partindo do princípio de que ela abandonou mesmo, mas se alguém souber de alguma coisa quanto a isso, me avise!

Aviso 2: Innocent é a primeira parte de uma série que, por enquanto, conta com três partes. Innocent e a segunda parte (Initiate) estão completas, mas a série ainda está em andamento, então em algum momento vamos acabar alcançando as publicações da autora e, aí, as atualizações não dependerão mais apenas de mim, okay? Para tentar adiar o máximo possível esse momento, eu decidi quebrar meu costume de atualizar traduções toda semana. A série Innocent será atualizada duas vezes por mês: uma semana sim e outra não, às sextas-feiras.

Aviso 3: Como sempre, nomes dos personagens foram mantidos no original. Um ou outro eu acabei usando o nome traduzido, mas em regra, não o fiz. Qualquer dúvida, só perguntar.

Espero que gostem da fic tanto quanto eu gostei e, como sempre: comentem! É apenas pelos comentários que posso saber se estão gostando e se a qualidade da tradução está satisfatória. :)

Boa leitura!

Capítulo Um

The Prisoner

(O Prisioneiro)

- Esse lugar está ocupado? – Sirius Black perguntou.

- Não. – disse um garoto magrelo de cabelos negros bagunçados. – Pode se sentar se quiser.

- Obrigado. – Sirius respondeu, sentando-se.

- De nada. – retorquiu o garoto de cabelo castanho sentado próximo à janela. Ele se virou para dar um meio sorriso a Sirius, antes de voltar a olhar para a plataforma.

- Você é um Black, né? – o garoto de cabelos negros perguntou.

Sirius suspirou, mas não negou.

- Sou Sirius. – disse, ajeitando as vestes.

- James. – James Potter disse com um sorriso. Ele ofereceu uma mão, a qual Sirius apertou. – Esse é o Remus. – Remus, o garoto sentado ao lado da janela, virou-se e sorriu de verdade para Sirius dessa vez e ofereceu-lhe uma mão, envergonhado. Sirius a apertou com um sorriso. – E não sabemos o nome dela. – Sirius se virou, pela primeira vez percebendo a outra ocupante do compartimento. Era uma garota ruiva de olhos verdes, cuja expressão era triste e chorosa.

Ela fungou. Sirius não sabia se tinha sido apenas isso ou uma tentativa de cumprimentá-lo; ele apenas acenou em sua direção e voltou-se para James e Remus.

Remus pegara uma cópia gasta do Livro Padrão de Feitiços e lia-o com uma expressão fascinada. James espiou a página do livro e torceu o nariz.

- Urgh. Maldição do Morto-Vivo. – disse com um estremecer.

- Maldição do quê? – Sirius perguntou de olhos arregalados.

James cutucou Remus.

- Ei, Remmy, mostre ao Sirius.

Remus ergueu os olhos, surpreso.

- Como? – James tirou o livro das mãos do outro garoto e entregou-o a Sirius, que fez uma careta ao ver a imagem nojenta e afastou o livro. James devolveu o pesado volume a Remus com um sorriso.

Sirius observou a interação casual deles com uma pitada de inveja. Os únicos amigos que tinha eram suas primas horríveis e as crianças sangue-puro mimadas com quem era forçado a interagir quando seu círculo social se reunia. A porta do compartimento foi aberta e um garoto magrelo e alto com cabelos oleosos entrou. Sirius abriu a boca para cumprimentá-lo, mas o garoto foi até a menina chorosa como se ela fosse a única ali. Sentindo-se mais solitário do que nunca, Sirius fez uma careta e voltou-se para James e Remus.

- Há quanto tempo vocês se conhecem?

- Há uns dez minutos. – James respondeu, dando de ombros. Sirius se sentiu muito melhor.

Remus marcou sua página e olhou para o relógio.

- Na verdade, há doze minutos.

James riu.

- Certo. Vamos concordar com onze minutos.

- Estou dizendo que fazem doze minutos. – Remus disse.

- Onze. – James cantarolou, deitando-se no banco. A menina chorosa e seu amigo o olharam com irritação e ajeitaram-se, dando um espaço para ele apoiar os pés.

Sirius sorriu.

- Eu prefiro acreditar no... Remus, é? Ele tem um relógio. – trocou um sorriso com o menino de cabelo castanho.

- Está bem. – James cedeu, fazendo uma careta para o teto do compartimento. – Doze minutos.

- Agora já são treze minutos. – Remus corrigiu, tímido.

James gemeu e ergueu a cabeça.

- Sonserina? – disse em resposta a algo que o tal de Snape falara. – Quem é que quer ir para Sonserina? – perguntou, sentando-se. – Eu acho que eu iria embora, você não?

Sirius notou Remus engolir em seco e desviar os olhos. Deixou de sorrir.

- Minha família toda é da Sonserina. – disse. E ele também seria; era o esperado, independente do que ele quisesse.

- Caramba. E eu achando que você era legal! – James exclamou sem nem uma pitada de maldade em sua voz.

Sirius sorriu e notou que Remus tentava esconder o dele. Havia algo de contagioso em James; algo em seu comportamento casual e amigável.

- Talvez eu quebre a tradição. Se puder escolher, para onde quer ir?

James ergueu uma espada invisível...

E caiu do banco, morto, o rosto subitamente dez anos mais velho. Ao seu lado estava Lily, imóvel, os olhos verdes sem vida. Remus se virou para Sirius, o ódio claro em seu rosto pálido e de vinte e um anos.

- Não fui eu! – Sirius gritou. – Não, Moony, eu não os matei! Eu sou inocente, eu juro!

Sirius Black abriu os olhos e sentou-se, ofegante.

- Eu juro. – murmurou completamente acordado. Um sentimento de perda o dominou como sempre acontecia quando pensava em James e Lily. Ele não acreditava que conseguiria superar as mortes deles, mas achava que, com o tempo, conseguiria pelo menos aceitá-las se os Dementadores o deixassem em paz; se parassem de lembrá-lo do espaço vazio onde seu coração costumava ficar.

Levantou-se e ignorou a dormência em seus braços e pernas. Tentava se exercitar o máximo possível; quando não estava dormindo, estava andando de um lado para o outro. Sua cela tinha sete passos de distância entre uma parede e outra, e ele conhecia cada um dos tijolos cinza sem vida, cada ferrugem nas barras da porta e cada grão de poeira e sujeira que cobriam o chão.

- Inocente. – murmurou ao andar.

Na cela em frente à sua, uma mulher riu, pressionando o rosto contra as barras da porta. Sirius parou por tempo o bastante para olhá-la com pena — fazia apenas um mês que ela chegara e já havia enlouquecido — antes voltar a caminhar.

Na sétima volta em sua cela, parou para pegar sua pedra afiada e usou-a para fazer outro risco na parede atrás de si. Havia duas mil, seiscentos e cinquenta e uma marcas — agora, cinquenta e duas.

Os guardas humanos achavam que ele havia enlouquecido; afinal, ele estava preso há exatos dois mil, seiscentos e cinquenta dias. E, por mais que tentassem, eles não tinham conseguido descobrir o que os dois riscos extras representavam. Se houvessem perguntado, Sirius teria lhes dito que os riscos eram sua forma de se lembrar de quantos dias fazia desde que vira James e Lily pela última vez. Mas eles não perguntaram, e Sirius ficara livre para se prender à lembrança das melhores pessoas que já conhecera, sozinho.

- Ou tão sozinho quanto possível. – murmurou quando a mulher da outra cela gritou e bateu em um inseto invisível; os de verdade tendiam a não se aproximar de Azkaban. Seus gritos ficaram mais altos, conforme ela começava a bater nos próprios braços e arranhá-los; Sirius assumiu que os "insetos" estavam começando a pousar nela. Quando ela voltou a si, seus braços, suas pernas e até seu rosto estavam vermelhos e machucados. Ela pressionou uma mão na canela e, quando a afastou, estava vermelha. Ela gritou.

Sirius estremeceu e forçou-se a continuar a andar de um lado para o outro, apesar de isso não ter o ajudado a bloquear o barulho; os gritos estavam irritando aos outros prisioneiros. Além dos guardas, da falta de calor e do fato de que nem deveria estar ali, uma das coisas que Sirius mais odiava em Azkaban era a inconsistência; em um momento, as coisas estavam calmas e, no seguinte, parecia que todos os prisioneiros da ilha estavam gritando ou falando sozinhos. Sirius cobriu as orelhas — sem muita coisa além de pedra, o eco era terrível —, mas ainda assim conseguiu ouvir o som de passos.

- Achei! – um guarda de pele escura avisou, parando de costas para a cela de Sirius. – Merlin, olha a bagunça que ela fez.

Seu parceiro chegou alguns minutos depois e guardou a varinha no bolso, olhando para mulher ensanguentada. Correu a mão pelo cabelo cor de palha.

- Parkinson não costuma dar uma poção para ela?

O primeiro guarda xingou.

- Sim. Está na minha mesa na sala dos guardas.

- Acha que precisamos dela?

- Nah. Ela está louca mesmo.

Os dois guardas olharam para a mulher.

- Godric, eles são horripilantes.

- Sinto muitíssimo. Nós, prisioneiros, tentamos ter uma boa aparência. – Sirius disse secamente. Sua voz falhou pela falta de uso, mas supôs que soara espirituoso o bastante. Os dois guardas pularam.

- Não dê uma de espertinho, Black. – o guarda loiro disse, apontando um dedo na direção de Sirius.

- Nem sonharia em fazer isso. – Sirius voltou a andar de um lado para o outro.

- Loucos, todos eles. – o outro murmurou. – Pare de andar, Black. Está irritando a todos.

Sirius bufou, mas não parou de andar.

- Não sou eu. É ela. – indicou a mulher ensanguentada que agora estava se balançando de um lado para o outro. – Os prisioneiros conseguem sentir o cheiro de sangue.

- Bom Godric, como eu odeio esse lugar. – o guarda loiro estremeceu.

- Eu também. – Sirius murmurou.

- Agora já deu. – o guarda loiro explodiu. – Pode ir buscar um Dementador, Jordan? Acho que Black esqueceu seu lugar. – Sirius recuou até suas costas baterem na parede quando um dos guardas sumiu. – Não está mais todo corajoso, né?

Sirius o olhou feio.

- Eu gosto da minha alma onde ela está.

- Bem, você é bem engraçadinho. – disse o guarda que Sirius odiava cada vez mais.

- Não tão engraçado quanto antes. – Sirius resmungou, correndo o dedo por uma das marcas na parede.

- Aquela cela. – o outro guarda disse ao voltar com um Dementador. – Black. – a figura encapuzada deslizou até a cela e envolveu as barras da grade com as mãos esqueléticas.

Sirius estremeceu, pegando seu cobertor esfarrapado. As cenas daquela noite, da noite em que o mundo acabara, dançaram em frente aos seus olhos. James com os óculos tortos e o rosto congelado numa expressão de choque; Lily, pálida e imóvel, com as lágrimas ainda molhadas em suas bochechas; Harry chorando, seu rostinho manchado de sangue; Hagrid soluçando ao dar um tapinha no ombro de Sirius, enquanto levava a primeira das duas pessoas lhe restaram e que nunca mais veria; Remus, soluçando em um escritório parecido ao de Dumbledore quando ficara sabendo do que acontecera... E, então, suas lembranças sumiram, deixando-o com aquela sensação de vazio tão conhecida e fazendo-o questionar se elas eram mesmo reais. Se isso tinha mesmo acontecido ou se era apenas um sonho.

- Inocente. – sussurrou. – Eu sou inocente. – você os matou. – Não... Não!

Focou-se no rosto de Peter, do qual jamais se esqueceria, e, com Peter, veio todo o resto; Lily e James — que segurava Harry — cercados pelas videiras prateadas de magia, enquanto a voz aguda de Peter recitava a promessa de mantê-los seguros; o mau pressentimento que tivera ao sair da casa de Remus para ver como Peter estava; o pequeno sorriso no rosto de Peter quando ele explodira a rua; e o pânico que sentira ao quase não conseguir erguer um feitiço escudo a tempo.

- Eu sou inocente. – rosnou.

Sentou-se e abriu os olhos, sem conseguir se lembrar de tê-los fechados ou de ter se deitado. Os guardas ainda estavam ali, observando-o pelas barras de metal com idênticas expressões de revolta. Por outro lado, o Dementador perdeu o interesse nele e flutuou até a cela da mulher. Os choramingos dela cessaram e ela engatinhou para frente, esticando as mãos ensanguentadas para a criatura. Sirius sentiu a temperatura cair e soube o que ia acontecer antes mesmo que acontecesse. Desviou os olhos, engolindo a bile, enquanto o Dementador respirava ruidosamente.

Os guardas gritaram e viraram-se, mas não foram rápidos o bastante; a mulher caiu no chão de sua cela, o rosto inexpressivo.

- Volte ao seu posto. – o guarda loiro resmungou, dando um cutucão cruel no Dementador com a varinha. O guarda mais escuro, que vomitava um pouco afastado dali, estremeceu quando a criatura passou por ele e, quando conseguiu se erguer novamente, procurou por um sapinho de chocolate em seu bolso. Sirius olhou desejoso para o doce quando o guarda o comeu.

- Isso não teria acontecido se Parkinson estivesse aqui. – ele disse, limpando a boca. O cheiro preso às suas vestes fez Sirius torcer o nariz.

- Então, foi culpa minha?

- Foi você quem se esqueceu da poção.

O outro guarda soltou uma variedade de xingamentos antes de abrir a porta da cela.

- Coloque-a na cama. – falou para seu colega.

- Acho que ninguém merece isso. – o guarda mais escuro comentou, trêmulo, colocando a mulher sentada.

- Acho que eu não mereço a papelada que vem com isso! – o outro retorquiu raivosamente. Sirius estava morrendo de vontade de bater nele; uma mulher tinha sido beijada e o bastardo estava preocupado com a papelada? – Então, onde o Parkinson se enfiou?

- Fiquei sabendo que ele ia receber um dos pirralhos do Malfoy para o almoço. O bastardo sortudo...

- Sortudo? Aqueles animaizinhos dão trabalho demais...

- Não, não isso. Tenho pena de quem precisar bater papo com as crias de Lucius Malfoy. Só quis dizer que ele é sortudo por não precisar trabalhar. – a mulher caiu para o lado com um gemido baixo.

- Puta que... Pode me ajudar? – cada guarda segurou um dos braços da mulher e arrastaram-na até sua cama; que era uma pilha de cobertores puídos e um travesseiro mofado. – Acho que não vale muito a pena... Parkinson não precisar trabalhar, quero dizer. – o guarda loiro disse, limpando as mãos nas vestes. – Qual das crianças ele vai receber?

Sirius se viu prestando atenção à conversa. Não era sempre que tinha notícias do mundo fora de Azkaban. Achava que conseguiria contar em uma mão o número de conversas que entreouvira em Azkaban e, até então, essa era a mais interessante desde que ficara sabendo de Alice e Frank, porque ele sabia de quem eles estavam falando; sua prima Narcissa casara-se com o herdeiro Malfoy e parecia que Lucius era tão idiota agora quanto fora há dois mil, seiscentos e cinquenta e sete dias, quando Sirius o vira pela última vez.

- O mais velho. Hyde ou qualquer coisa assim. – o nome reviveu a memória de Sirius. Lembrava-se vagamente de um artigo no Profeta Diário, um ano depois do nascimento de Harry, sobre sua prima quase ter sofrido um abordo espontâneo em sua primeira gravidez.

- Ah, sim. A criança milagrosa de Lucius Malfoy. O outro Menino-Que-Sobreviveu.

- Não, ele quem deveria ser o Menino-Que-Sobreviveu. – disse o guarda de cabelo escuro. – Potter veio depois.

- Potter? – Sirius perguntou, alegrando-se ao ouvir o nome conhecido.

Os guardas o olharam com arrogância ao saírem da cela em frente à sua.

- O menino que destruiu seu mestre, Black. Não ficou sabendo o que aconteceu?

- É claro que fiquei. – Sirius disse, voltando para o canto da cela. – Só não sabia que ele tinha um apelido tão ridículo. "O Menino-Que-Sobreviveu". James e eu o chamávamos de "O Destruidor do Lorde das Trevas". – Sirius fechou a boca antes que pudesse deixar escapar algo sobre a profecia.

- Você tem coragem mesmo. – o guarda cuspiu. – Falando sobre eles. – Sirius limpou o cuspe de sua bochecha e virou-se para a parede, traçando as linhas novamente. Godric, sentia falta deles. O guarda riu. – Isso o calou.

- Mas ele tem razão. – o segundo guarda disse. – Talvez alguém devesse dar um novo apelido ao Potter.

- Por quê?

- Porque serão dois Meninos-Que-Sobreviveram em Hogwarts, no mesmo ano.

O outro riu.

- Um Potter e dois Malfoys... E talvez um ou dois Weasley... A escola não vai saber o que a acertou!

Os dois riram dessa piada — que Sirius não achara nada engraçada —, antes de o guarda mais escuro falar.

- Vamos. Se quisermos chegar cedo em casa, precisamos começar a trabalhar naquela papelada dos infernos.

O guarda loiro murchou e seguiu seu companheiro para longe do campo de visão de Sirius.

Sirius não dormira bem naquela noite, se é que dormira; era difícil saber em Azkaban.

Ele sonhara com um garoto parecido com James aos onze anos — com o cabelo bagunçado e tudo — que parara em frente à sua cela enquanto dormia. No sonho, Sirius acordara e o garoto o olhara com um brilho desapontado em seus olhos — olhos esses que iam dos castanhos esverdeados de James para os verdes de Lily —, enquanto corria um dedo pela barra da cela.

- Você falhou comigo. – ele disse, arrancando um pedaço de ferrugem da barra.

- Não. – Sirius disse. Malditos fossem aqueles guardas por terem falado de James e Harry. – Não, por favor!

- Falhou. – o garoto, que podia ser James ou seu afilhado, e Sirius não sabia o que o assustava mais, repetiu. Então, ele lhe deu as costas e foi embora.

Sirius não pensou; ergueu-se em um pulo, determinado a segui-lo, não importava o que isso lhe custasse. Transformou-se em Padfoot e passou a cabeça entre as barras da cela. O garoto sumiu na curva. Choramingou e forçou seu corpo a passar pelas barras. Espere! Pensou, enquanto pedaços de ferrugem se soltavam e flutuavam até o chão como flocos de neves; alguns se prenderam aos seus pelos revoltos. Depois de sair da cela, voltou à sua forma humana e seguiu o menino.

- Espere! – voltou a gritar.

- É tarde demais para isso. – ouviu.

- Não, maldito seja! Espere! – Sirius gritou. Forçou seus músculos fracos a se moverem e, depois de seu oitavo passo, uma pequena parte de sua mente percebeu, mesmo que estivesse dormindo, que essa tinha sido a maior distância que andara em sete anos.

- Falhou...

- Espere!

Sirius acordou com um grito. Estava em pé com a água fria e salgada batendo em sua cintura.

- Que merda? – olhou para suas roupas molhadas e, depois de usar seus xingamentos favoritos, escalou o chão de pedra, onde caiu, trêmulo.

Certo, pensou. Certo, eu sonhei que fugi da minha cela como um cachorro e, aí, acordei do lado de fora, prestes a nadar até a costa. Ou eu estou livre ou pirei de vez. Viu-se inclinado a acreditar na segunda opção, mas isso não explicava porquê seus pensamentos estavam mais claros do que estiveram em anos ou porquê estava molhado... Estou livre, então...

- Que caralho aconteceu? – olhou para o céu carregado, que se recusou a responder. Sirius fechou a cara e decidiu que não se importava. O que importava era que estava livre. E não ia voltar para sua cela. Nunca. Em parte, porque duvidava que conseguiria encontrá-la e, em parte, porque não queria encontrá-la. Preciso dar um jeito de sair da ilha...

Varinha, foi seu próximo pensamento coerente. Antes de mais nada, eu preciso de uma varinha. Minha varinha. E ele sabia onde consegui-la.

Uma das leis bruxas mais severamente impostas dizia que a varinha — um objeto mágico incrivelmente poderoso e, por vezes, volátil — não podia ser destruída sem um mandado quando estava sob a jurisdição de um Auror ou de um membro do Esquadrão de Execução das Leis da Magia. Outro fato curioso sobre essa lei era que ela não era conhecida. Apenas aqueles que treinavam para fazer parte do Esquadrão ou para serem Aurores podiam saber, porque a ameaça de quebrar as varinhas era muito efetiva.

Ao se formarem em Hogwarts, Sirius e James tinham se juntado ao Departamento de Execução da Magia, onde estudaram por um ano e meio para serem Aurores. O rigoroso programa de treinamento de Aurores costumava durar três anos, mas com a ajuda de Olho-Tonto, várias noites em claro e o fato de que o mundo bruxo estava em guerra e o Ministério precisava que todos lutassem, Sirius e James conseguiram se formar na metade do tempo.

Era graças a esse treinamento que Sirius conhecia as leis que regulamentavam as quebras de varinhas e, por causa de um idiota chamado Bartemius Crouch, Sirius preenchia os requisitos; tinham lhe recusado qualquer tipo de julgamento e mandaram-no a Azkaban na primeira Chave de Portal disponível, o que significava que sua varinha devia ter sido arquivada na sala dos guardas, onde os pertences dos prisioneiros de curta temporada eram guardados...

Sem pensar — achava que, a essa altura, já era um instinto de sobrevivência —, Sirius se transformou. Alguns minutos depois, na entrada da sala dos guardas de Azkaban, um enorme cachorro negro, que se parecia com um urso muito magro, passou por dois Dementadores.

Depois de dez minutos, Sirius estava na praia, colocando em seu bolso um fino graveto de madeira e o pequeno espelho que estivera em seu bolso quando fora preso. Tentara chamar James no espelho e teve um vislumbre do seu rosto sorridente, antes de terminar a ligação.

Não se deu ao trabalho de tentar aparatar; era provável que o lugar estivesse cheio de feitiços para evitar aparatação e, mesmo que não estivesse, sua mente não estava focada o bastante para que conseguisse fazê-lo sem se estrunchar. Parece que vou ter que nadar, pensou com raiva ao voltar a se transformar em Padfoot. Não era longe — conseguia ver a terra de onde estava —, mas a água estava agitada e havia muita; era um espaço tão aberto...

Balançou-se. Sete anos. Passara sete anos preso por um crime que não cometera. De fato, passara tempo o bastante na prisão para compensar por todas as coisas ruins que já fizera, pensara em fazer ou faria no futuro. Apesar de nunca ter tentado escapar, não havia nada nesse mundo que o fizesse voltar a aquele buraco do inferno por vontade própria; não quando a liberdade estava ao seu alcance.

Antes desse momento, não havia muito motivo para querer fugir ou sequer tentar. Peter provavelmente estava escondido em algum lugar onde Sirius nunca o encontraria, ou o faria quando ficasse sabendo de sua fuga; Harry — que Hagrid falara que levaria para a irmã de Lily, Petunia — provavelmente estava contando os anos até que pudesse ir para Hogwarts; e Remus... Como ele nunca visitara nem tentara entrar em contato com Sirius, Remus provavelmente não sabia que Peter era o traidor e, Sirius supôs, tinha passado os últimos sete anos lamentando as mortes de Lily, James e do rato, enquanto se afundava cada vez mais em seu ódio por Sirius.

Preciso encontrá-los, Sirius pensou. Harry, para ver se ele está feliz; Peter, para provar minha inocência e, quando fizer isso, posso encontrar o Moony e explicar tudo e me desculpar... E nada disso vai acontecer se eu não tirar minha bunda dessa maldita ilha.

Sirius respirou fundo e aventurou-se na água escura.

-x-

- Senhora Peterson!

- O que, Dudley?

- Harry está copiando minha lição!

A senhora Patricia Peterson era uma professora da Escola Primária St. Grogory há dezessete anos. Como onze desses anos tinham sido passados dando aulas à quarta série, era seguro assumir que a senhora Peterson já tinha visto tudo o que havia a ser visto de crianças de oito e nove anos. Ela se julgava preparada para lidar com crianças. E, então, conhecera Harry Potter.

- Potter, está copiando a lição do seu primo?

- Não, senhora Peterson. – o garoto disse em voz baixa.

- Não minta. – Dudley disse a seu primo.

- Olha quem fala. – Potter murmurou. A senhora Peterson não sabia quando começara a se referir ao menino como "Potter" e não como "Harry". Supôs que começara a copiar os alunos e, como o menino não parecia se importar, ela não se dera ao trabalho de se corrigir.

- Senhora Peterson! – Dudley urrou, enrugando seu rosto redondo.

- Já chega! – a senhora Peterson devolveu o dever de Linda e foi até a mesa dos meninos. – Dudley, você não precisa gritar; eu já estava te ouvindo. E, Potter, eu já te falei que não tolero mentiras na minha sala de aula. – alguns alunos riram quando Potter corou.

- Não estou mentindo, senhora Peterson. – ele disse, olhando-a com aqueles enormes olhos verdes escondidos atrás dos óculos.

Como uma criança conseguia parecer tão digna de pena quando era um monstro, ela não sabia, mas, de algum modo, Potter conseguia. Ele era anormalmente educado, o que não a enganava; o garoto devia estar tentando conquistá-la da mesma maneira que conquistara a senhora Baddmans no ano anterior.

- Sua lição. – disse curtamente, esticando uma mão.

Ele a entregou em silêncio. Ela a analisou, notando o pouco desenvolvimento e devolveu-a.

- Detenção durante o almoço, hoje. – disse. Dudley riu. Se possível, Potter pareceu aliviado e assentiu.

- Dudley, sua lição. – pediu. Ele a entregou; ela notou que as respostas dele eram as mesmas do menino Potter e que também não tinham sido desenvolvidas. – Um ótimo trabalho, como sempre. Sim, Katrina? – notou Potter apertar a mão ao redor de seu lápis quando se afastou.

Deu mais cinco minutos para que eles resolvessem os problemas de matemática.

- O resto ficará de dever de casa. – disse para a sala. – Agora, quem vai escrever a melhor história? – todos olharam para Katrina, que corou e abaixou a cabeça. – Vocês têm uma hora para escrever e o tema é... Desejos. Podem começar. – voltou à sua mesa, enquanto o som de lápis contra papel começava a soar.

A senhora Peterson analisou sua turma com um sorriso carinhoso. Felicity certamente escreveria sobre cavalos; Malcolm gostava de histórias sobre estrelas do futebol; enquanto Linda gostava de dançarinas e Hannah gostava de gatos. Quase ficava ansiosa para ler as histórias deles; sob seu olho atento, a qualidade da escrita de seus alunos aumentara significativamente e a falta de erros ortográficos e gramaticais preocupantes deixava seus textos quase agradáveis.

A senhora Peterson os observou por mais um momento — sorrindo da maneira que Gordon fazia uma careta sempre que precisava apagar algo e da maneira que Hannah suspirava e limpava a mancha de grafite em sua mão esquerda—, antes de pegar sua cópia de Oliver Twist na gaveta de sua mesa. Era um de seus livros favoritos, mesmo que, como professora, lhe partisse o coração ver Oliver — ainda que um mero personagem fictício — vivendo em condições tão horríveis; pouca comida, sem família, e forçado a fazer o que só podia ser classificado como trabalho escravo... Ela chorava todas as vezes.

- Senhora Peterson?

- Hmm? Oh, sim, Gordon?

- Já passou uma hora. – o garoto disse, mordendo a ponta do lápis. Notou que a maioria dos alunos já tinha soltado seus lápis e observavam-na. Potter, no fundo da sala, era o único que não estava olhando-a. Ele estava lendo sua história com uma expressão que ela não conseguia identificar.

- E passou mesmo. – comentou, marcando a página. – Dessa vez, quero bons resultados – falou ao recolher os textos. – já que eu lhes dei quinze minutos a mais. Obrigada, querido. Se todos já me entregaram suas histórias, podem ir almoçar. – com um grito unanime e feliz, os alunos saíram da sala, deixando Potter sozinho. – História. – pediu, esticando a mão com impaciência.

- O que quer que eu faça? – ele perguntou.

- Escreverá algumas frases. – respondeu com um suspiro, ajeitando a pilha de histórias. – "Não posso copiar o trabalho dos outros". Vinte vezes deve ser o bastante e, então, poderá ir almoçar.

- Sim, senhora Peterson. – Potter disse, arrancando uma folha de seu caderno.

É estranho que ele nunca reclame... Acho que ele sabe que não irá funcionar ou, talvez, ele sabe que merece... Ela se sentou à sua mesa e pegou a história de Potter.

Era uma vez um menino chamado James, Potter escrevera. James mora com sua mãe e pai. Todas as manhãs, James acorda em seu quarto e vai até a cozinha, onde sua mãe te dá café da manhã. Seu pai leva ele até a escola e depois das aulas sua mãe e seu pai o levam até o parque. Depois de voltarem do parque, eles ajudam James com a lição de casa. Todas as noites, a mãe de James faz o jantar e é gostoso. Às vezes, James ajuda porque quer e não porque é obrigado. Eles comem juntos e, às vezes, James repete. À noite, eles contam histórias para ele e colocam James na cama e contam uma história e falam que amam ele. James diz que ama eles e, então, vai dormir. Se ele tem um pesadelo, ele pode contar a eles e pode dormir na cama deles até que se sinta melhor. James não precisa desejar nada, porque ele já tem tudo.

- Potter.

- Sim, senhora Peterson? – Potter abaixou o lápis e ergueu os olhos.

- Não precisa me chamar de senhora Peterson todas as vezes que conversamos. – disse com irritação. – Já falamos sobre isso.

- Desculpe, senhora Peterson... Quero dizer, desculpe.

- Desculpa aceita. Venha até aqui, por favor. Quero falar sobre sua história.

- Minha... Minha história?

- Sim. Agora, apesar de eu ter lhe dado uma hora e você mal ter escrito um parágrafo, você não seguiu o tema. Sobre o que eu pedi que escrevessem?

- Desejos, senhora Peterson. – então ele prestara atenção.

- Sim, e sobre o que você escreveu?

- Desejos virando realidade.

- Não, Potter, não escreveu. – Potter abriu a boca para falar alguma coisa e voltou a fechá-la. – Você escreveu sobre coisas que acontecem todos os dias, quando eu queria que escrevesse sobre o que deseja que acontecesse. – Potter teve a audácia de parecer confuso. – Coisas que não acontecessem o tempo todo. – disse, tentando fazer com que ele entendesse.

Potter franziu o cenho.

- Mas eu não posso ficar com meus pais.

- Por que não? – ela sabia que o menino morava com seus tios, mas sempre achara que era porque seus pais eram incapazes de cuidar dele. A senhora Peterson ouvira um rumor sobre o pai dele ser um bêbado e a mãe ser infiel; uma mulher que não saberia o que era amor de verdade nem que o sentimento a convidasse para tomar chá. Isso certamente explicaria o motivo de Potter ser do jeito que era.

- Eles morreram.

Ela sentiu uma pontada de pena pelo garoto que não gostava.

- Foi isso o que quis dizer? – ele assentiu. – Bem, suponho que isso conta, mas o resto da história é sobre sua vida com seus tios. Isso não é muito criativo.

- Você acha que é igual a minha vida com...? – Potter pareceu se dar conta de que estava pensando em voz alta e parou – Certo. – disse, com o maxilar tenso. – Quer que eu escreva de novo?

- Não, não. – a senhora Peterson engoliu em seco; a frase "se olhares pudessem matar" passou por sua cabeça quando Potter a olhou feio e voltou para sua mesa, sentando-se. – Não. Mais dez linhas devem ser o bastante. "Seguirei as instruções". – Potter pegou seu lápis, que quebrou em sua mão. Ele ergueu os olhos e deu um pulo, seus olhos arregalados. – O que está olhando, Potter?

- N-nada. – disse, sem olhá-la. Ele pegou uma das metades de seu lápis e começou a escrever, apesar lançar olhares furtivos em sua direção quando achava que ela não estava olhando.

A senhora Peterson estava na metade da história de piratas de Piers quando alguém bateu na porta da sala.

- Entre. – convidou sem erguer os olhos. Rabiscou um comentário na história; Piers tinha uma criatividade saudável, mas ele tendia a escrever muito sobre brigas; e pegou outra história.

- Olá, Patricia, ainda está com meu livro de poes...?

- Olá, Sue, não, não estou. – a senhora Peterson disse, erguendo os olhos da história de princesa de Emma. – Está com a Anne. Por que está encarando?

- Azul. – Sue disse com a voz fraca. – Por que seu cabelo está azul?

- Meu cabelo? – Sue assentiu. Uma suspeita terrível formou-se na cabeça da senhora Peterson. – Potter! – exclamou. – O que você fez?! – Potter ficou pálido, olhando-a com os olhos verdes arregalados, mas não respondeu. – Vou ter que mandar um bilhete para seus tios. – disse-lhe, enquanto Sue saia da sala de aula parecendo tentar esconder uma risada. – Agora, o que fez com minha peruca?!

- E-eu não... – Potter gaguejou. – Eu não toquei no seu cabel... Erm, peruca, eu juro. – mas ele não parecia ter certeza. De fato, ele parecia um pouco preocupado.

Você fez isso, seu monstrinho, sei que fez, pensou com irritação.

- Vou te mandar para casa. Vai entregar o bilhete à sua tia e eu vou ligar para ela à noite para confirmar que você entregou. – Potter tinha uma expressão horrorizada em seu rosto.

Ela pegou uma caneta e começou a escrever:

Cara senhora Dursley,

Eu não sei como ou o porquê isso aconteceu, mas, de algum modo, seu sobrinho conseguiu deixar minha peruca azul.

Eu o suspendi pelo resto do dia como punição — ele terá que estudar sozinho a matéria que perder.

Qualquer outra punição é sua escolha.

Atenciosamente,

Patricia Peterson.

Dobrou o papel pela metade e o colocou em um envelope, que endereçou à senhora Dursley.

- Aqui. – disse, entregando-o a um Potter aterrorizado. – Leve para casa e dê para sua tia ler.

- S-sim, senhora Peterson. – gaguejou, colocando o envelope na mochila.

- E lembre-se: eu vou ligar à noite para ver se entregou mesmo. – Potter assentiu e saiu correndo.

A senhora Peterson não tinha como saber que aquela seria a última vez que ele passaria pela porta de sua sala de aula.

Continua.