Sumário do capítulo: Reborn deveria ter esperado por isso.

Katekyo Hitman Reborn! não me pertence. Se me pertencesse, eu faria um trabalho melhor em relação às últimas arcs do mangá.

Não foi betado, então, por favor, perdoe os erros :)

Em resposta ao desafio dos 50 drabbles (versão 2.0), proposto por Lady Murder. Presente para ela também!


Melting under blue skies (and the world is a little brighter)


These lines of lightning
Mean we're never alone,
Never alone, no, no

Counting Crows, "Accidentally in love"


3. I surrender to the strawberry ice cream

Reborn deveria ter esperado por isso.

Como um gráfico cujas setas apenas sobem, aos poucos, era óbvio que isso teria acontecido cedo ou tarde. Uma parte de Reborn — mais que uma parte, ele em completo, exceto seu rosto — está feliz que aconteceu mais cedo que o esperado.

Isso, de ter Lambo tão próximo, tão quente, sua língua na boca dele como se tentasse tirar dele todo o resquício de seu sabor. Daquele traço que como os cabelos e o péssimo gosto para roupas, é unicamente seu e que Reborn quis no momento em que entrou no templo que era sua casa e provou indiretamente com o hálito quente em suas mãos e pensou a cada vez que o via tomar aquele café horrível.

Reborn pressiona Lambo ainda mais contra a parede, força-o a abrir as pernas e o fazer caber entre elas — e não apenas uma perna ou um joelho, mas ele todo. Segura os pulsos dele com as duas mãos, controla todos os movimentos, todas as respirações, faz-se o mestre daquele fantoche, toma para si o que sempre quis. E Lambo, Lambo quer dar tudo a ele, como se também esperasse por isso. Como se estivesse aguardando toda essa violência em forma de atração, esse choque de ranks; como se estivesse esperando Reborn fazer o primeiro movimento para algo a mais, algo além. Movimento que Reborn precisava mesmo fazer, ele nota, fácil e desgostosamente, porque foi ele o último a notar essa probabilidade e Lambo correu a vida toda atrás dele.

Perder para uma vaca idiota uma corrida tão longa, tão suada. Ele estava mesmo precisando de óculos.

Solta um dos pulsos de Lambo para que possa segurar aquela cabeça, movimentá-la, segurar os cabelos e talvez puxá-los. Tocar os cachos, aquela negritude que o encanta sem nem ele perceber. Tudo em Lambo é tão novo que Reborn não sabe o que quer tocar primeiro.

A palma de sua mão encontra o meio da parte detrás da cabeça de Lambo, mas o som está errado — molhado. Lambo morde seu lábio em resposta, a dor que ele não deixa se tornar um grito ou gemido. Reborn se afasta, desgostoso, sua mão voltando vermelha e pegajosa, alguns fios de cabelo grudados nela. Sua visão periférica vê Lambo colocar os dedos atrás de sua cabeça, fazendo uma careta diante da dor. Seus dedos também voltam cobertos de sangue. Reborn morde seus lábios, o mesmo lugar que Lambo mordeu há alguns momentos atrás, antes de virar o guardião com um único movimento, a bochecha dele prensada contra a parede.

— Fique parado. — ele manda quando Lambo solta um muxoxo e tenta se mover. — Vai doer mais.

Reborn limpa a mão na jaqueta de Lambo, seus dedos percorrendo aquela coluna tão esguia, tão longa (não tanto quanto as pernas, ah, as pernas) até chegarem à base da nuca, o sangue marcando o preto, mas quase não aparecendo. O sangue escorre ali e provavelmente deve incomodar. Reborn passa seus dedos ali, limpa aquela tez pálida como pode e, sem pensar, leva o sangue em sua mão aos seus lábios, saboreia aquele vermelho e aquele sabor metálico, mais intenso que o gosto da boca de Lambo ou suas lágrimas.

(qualquer um pode beijá-lo e qualquer um pode limpar suas lágrimas, mas feri-lo se tornará algo bem raro agora que Reborn está ali, naquela posição)

Com uma delicadeza que ele não sabia que ainda tinha, não depois de tantos anos como um hitman, ainda mais depois daquela forma horrorosa de bebê, Reborn procura o ferimento na cabeça de Lambo. Seus dedos mal relam o coro cabeludo até que um movimento brusco do guardião o avisa que chegou à razão de todos os problemas e da única solução que Reborn encontrou quando saíram daquela zona de guerra (um beijo, o primeiro). Abre aquele mar negro feito de fios de cabelo bem cuidados para enfim deparar-se com o ferimento. Não está tão ruim, ele conclui, um leve corte, mais leve do que todos esperavam, pelo menos.

— C-Como está? — Lambo pergunta, com medo de sua resposta, de sua ação e uma parte de Reborn congela novamente, como gelo expandindo-se em metal. Ele não quer que Lambo tenha medo, embora entende o por quê.

(ah, Reborn, demorará tanto tempo até que Lambo perca o medo de falar direito com você ou de fazer qualquer ação, qualquer movimento que possa te irritar. Sua assustadora presença e fama não é tão boa agora, hm?)

— Não está tão ruim. Provável que tenha uma concussão. — Reborn responde, olhando aquele sangue, verter de uma cabeça que não é necessariamente inteligente. Seu gosto por parceiros românticos parece ter piorado com o passar dos tempos.

Mesmo assim, ele não tenta nem parar a si mesmo: beija a cabeça de Lambo logo acima da ferida, com a delicadeza que não o fez ao beijá-lo pela primeira vez. Reborn é todo errado, ele mesmo nota. Será tão difícil conquistar Lambo por completo. Ele, Lambo, que imediatamente fica parado como se com medo, como se algo fora do normal houvesse acontecido.

Reborn quer lhe dizer que tudo ficará bem. Que ele nunca mais irá machuca-lo. Que ele pode ser doce. Que Lambo não precisa ter medo. Essas palavras podem acalmar o guardião do Trovão, muito provavelmente iriam, e, no entanto, assustam o próprio dono. Muito comprometimento. Muitas expressões. Muitas promessas. Muitos significados. Então, ele diz: — Venha, vamos à enfermaria.

Sua mão, entretanto, não deixa o meio das costas de Lambo em momento nenhum. Seu calor mistura-se com o de Reborn e ele não se importaria de queimar em uma fogueira feita daquela energia misturada, única.

Deles.

.

Há idiotas e idiotas no mundo, e ainda assim Reborn sempre se surpreende com alguns. Nesse caso, há idiotas que realmente pensam em trapacear os Vongola, em tentar destruí-los, derrota-los. Alguns que não entendem o conceito de que os Vongola são a maior família mafiosa que já existiu, com tantos homens, tantas coisas em seu poder, que eles se tornaram a Hidra.

Mesmo assim, um grupo de rebeldes sem causa decidiram tomar alguns pontos estratégicos do Vongola, Gokudera informa em uma reunião. "Nada muito importante" ele diz quando começa, o rosto mostrando que não há perigo nenhum ainda. "Ainda nem conseguiram tomar os mais importantes, mas fomos avisados."

Tsuna considera por um momento enquanto bebe um gole de sua água. "Você acha que devemos dar uma lição para eles agora." Não é uma pergunta.

Gokudera acende um cigarro, seus olhos se encontram com o de Yamamoto e os dois sorriem um para o outro, antes de ele se virar para o Décimo. Reborn está quieto, as pernas em cima da mesa, observando tudo por debaixo de seu chapéu, em um ângulo específico que não permite que ninguém veja para onde ele está encarando. Seus olhos logo se voltam para Lambo, que está usando uma camiseta com as mesmas manchas de vaca, mas o preto é um azul bem escuro, uma novidade em seu guarda-roupa. Feia demais, ainda. Seu queixo está apoiado em uma de suas mãos, cujos dedos tamborilam em sua bochecha, a pele afundando com as digitais dele pressionando lentamente toda aquela maciez.

Reborn quer ele mesmo fazer o movimento, ao mesmo tempo de fazer coisas mais sérias, mais gráficas com esse idiota.

Ele perde o que Gokudera fala em seguida, muito embora saiba o que ele quer dizer: melhor cortas as asas desses idiotas antes que eles consigam algo muito importante ou se tornem exemplos para os outros — do jeito errado. Há certas pessoas que acham que Tsuna é jovem demais, incompetente demais, mesmo que os maiores conflitos tenham sido feitos e resolvidos pelo próprio Décimo antes da morte do Nono. Reborn gostaria de matar todos esses cretinos, mais por eles fazerem pouco de seu treinamento do que eles ousarem irem contra o chefe da família.

Uma parte dele também gostaria de ter Lambo embaixo dele, gemendo seu nome, o membro ereto, mordendo os próprios lábios, chamando por ele, Reborn, de novo e de novo, mas não se pode ter tudo ao mesmo tempo.

Não é surpresa que ele perde o fim da reunião, pensando em coisas que o fazem se sentir com dezesseis e virgem novamente.

É uma surpresa que Yamamoto e Lambo se tornam os líderes dessa contra-revolução idiota e que irão partir no exato momento. Reborn encara a maneira como Lambo ri dos comentários de Yamamoto e como delicadamente permite que o mais velho toque seus cabelos em um contato que é unicamente fraternal. O ciúme queima mesmo assim, e derrete ainda mais toda a frieza que ele construiu dentro de si, ainda mais considerando aquela criança estúpida que se vestia de vaca e tentava mata-lo com apenas cinco anos.

Ele se levanta e vai até Gokudera. "Eu vou também." Ele murmura e não é uma ordem, não é uma pergunta. É uma observação.

Gokudera tem seu pendrive em mãos, aquele que ele usa sempre em volta do pescoço quando há reuniões assim e que substituiu o anel dos Vongola e, mais tarde, a aliança de casamento. Se fosse mais novo, ele teria questionado, perguntado de Reborn não estava de acordo com seus planos, se ele estava chamando Yamamoto de incompetente. Hoje em dia, ele apenas dá de ombros e depois encara Lambo pelo canto dos olhos antes de virar-se de novo para Reborn e lhe dar um sorriso.

Reborn prefere e sempre irá preferir Gokudera Hayato mais novo.

.

Não é um serviço limpo.

Ultimamente, eles não estão sendo.

Tecnologia demais, mercenários demais, prepotência demais dos mais novos. Um tempo atrás, dois hitman para um alvo, um policial que não podia ser comprado, sangue em suas mãos quando outrora nunca ninguém sequer tocaria nem seus sapatos (Reborn odeia sangue nos sapatos). Por isso, não é surpresa que eles mal se aproximam do local que este grupo pegou para si dos Vongola — um prédio residencial cujos moradores foram forçados a pagar mais do que deveriam por um prédio caindo aos pedaços, embora Tsuna fez questão de fazer melhorias e jurou que continuaria aprimorando o edifício sem cobrar nada além do que o que já fora combinado — eles já comecem a atirar sem pensar em crianças no gramado e na polícia ser chamada. Yamamoto para o carro de um jeito que ele provavelmente aprendeu com Gokudera e imediatamente os três saem, seus capangas parando um pouco atrás. Um deles é atingido no ombro e Lambo perde seu tempo em ajuda-lo a sair do raio dos tiros. Reborn não se lembra quando começou a achar empatia algo tão atraente.

— Ele não é uma prioridade. — Reborn rosna, enraivecido, e Lambo o ignora de um jeito que faz seu sangue ferver, de um jeito ruim.

— Ok, novo plano. — Yamamoto diz e desembainha a espada. — Nós três vamos na frente e distraímos. O grupo C vai para os tetos e tentam atirar no máximo possível de pessoas lá de cima. Grup entram por trás e pelos lados e tentam tirar os civis. Quando terminarem, vocês nos encontram. Vamos não atirar em ninguém que não esteja atirando na gente, ok?

É fácil falar, Reborn pensa e destrava sua arma, vendo Lambo colocar seus chifres para logo depois retirar sua arma da cintura. Um pouco de pele se torna visível e não há cicatriz, nem mesmo depois de tantas lutas. Reborn o encara até que Lambo percebe e pergunta por quê.

— Fique por perto. — Reborn avisa, sentindo que algo muito ruim vai acontecer. — Você também, Yamamoto.

Yamamoto lhe sorri mostrando os dentes, fechando os olhos. A cicatriz em seu queixo, no entanto, deixa-o tão diferente tanto daquele moleque estúpido, apaixonado por beisebol. Reborn o viu crescer, ele mais que todos os outros com exceção de Tsuna, e talvez se focar nos dois tenha sido um erro. Hibari cresceu sob os olhos atentos e apaixonados de Dino; Ryohei cresceu sem supervisão nenhuma; Gokudera e Lambo Reborn nunca prestou atenção de verdade; Mukuro e Chrome nunca estiveram ali para que ele os observasse propriamente — e com razão, porque Reborn nunca confiou neles.

Alguma coisa muito ruim ia acontecer. Ele sentia, da mesma forma que sabia que algo pior iria acontecer quando os melhores hitman foram chamados para aquele encontro, muitos anos atrás, sem saber no que virariam.

Yamamoto abre os olhos novamente e eles estão sérios. — Vamos lá.

.

Reborn bate na perna de Lambo mais uma vez e seus olhos se abrem com violência. Ele encara Reborn com um leve rubor na bochecha e ele não consegue deixar de sorrir maliciosamente perante isso. — Você ainda não pode dormir.

Lambo faz uma careta.

— Eu estou tão cansado.

Reborn pensa em ser gentil, pensa em ser um pouco agradável, mas sorri mais uma vez e diz que não liga. Lambo tem uma concussão, exatamente como previsto, e dormir não é uma opção.

— Você é muito cruel. — Lambo fala, sua voz fina em um tom que mostra a sua real idade. Dezoito anos. Reborn nunca se sentiu tão velho, tão desamparado quanto sente com essa geração que veio depois da dele.

Não, você que é, ele pensa em responder. No entanto, prefere bater de novo na perna de Lambo quando ele ameaça fechar os olhos mais uma vez, o sono marcando seu rosto.

.

Foi uma jogada inteligente demais para idiotas inferiores como eles tomarem conta de uma prédio cheio de civis e pessoas que trabalham abaixo dos Vongola ou para eles, sem os expulsarem para fazer dali sua base de operações. Uma jogada muito, muito inteligente. Porque não apenas eles têm a vantagem de vários andares (sete andares com seis apartamentos minúsculos em cada um; mais o porão e o térreo), como também podem esconder-se entre os civis ou toma-los como reféns.

Por conta disso, eles têm de abrir cada uma das portas, correr riscos de levarem balas na cabeça ou ativarem armadilhas. Gokudera estava certo em querer acabar com eles antes que eles ficassem poderosos demais.

Cada chute na porta é uma surpresa, como aqueles filmes e livros em que os protagonistas devem escolher uma porta que leve à fortuna ou à morte, marcadas apenas por números. Nesse caso, são quarenta e duas portas e muitas probabilidades, muitas chances de tudo dar errado. Quarenta e dois, como aquele livro ridículo e engraçado sobre o universo, de um filme pior ainda. Reborn não gosta, mas foi atrás dos dados quando viu ninguém menos que Hibari Kyouya lendo-o, sendo capaz de esboçar um sorriso entre o passar de páginas.

Os três ficam juntos, não se atrevem a separar quando há tantas chances de dar errado. O trabalho é mais demorado, chutar portas e ouvir gritos ou tiros, ter de investigar cada quarto, cada parte daquele apartamento miserável, e torcer para não cometerem erro nenhum. No térreo não há ninguém, como era de se esperar, e mesmo assim eles checam todas as partes apenas para ter certeza. O subsolo possui menos pessoas que deveria, mais moradores que conseguiram fugir e se esconder, trancando a porta. Yamamoto os avisa para continuarem ali.

No primeiro andar, há mais famílias que atiradores, provavelmente porque eles foram direcionados aos andares mais altos quando os três entraram no prédio. Reborn manda todos para baixo, para o subsolo, porque sair dali seria ameaçar a vida deles e a regra é clara com Tsuna: não matar aqueles que não merecem, aqueles que nem nesse jogo estão.

No segundo andar, eles são recebidos por balas logo no corredor, e os três avançam da melhor maneira que podem: primeiro Lambo, com os raios na cabeça que distraem, então Yamamoto com sua espada e agilidade, e por último Reborn, que atira nos mais distantes antes que eles possam ver Yamamoto chegar atrás de Lambo.

No terceiro andar, há silêncio. Nenhum morador, nenhum atirador. E então, um choro, um soluço desesperado e os três sabem que há algo de errado nos apartamentos. Em um deles, eles descobrem depois de destruírem duas ou três portas, há uma adolescente segurando uma bomba caseira, os olhos vermelhos e o rosto manchado pelas lágrimas. Seus dedos tremem e ela diz, em um péssimo italiano, que haviam lhe mandado segurar aquela coisa.

Lambo é quem se aproxima dela, mesmo que Yamamoto tente pará-lo.

— Está tudo bem. — ele diz para a garota, sorrindo levemente. — Pode me dar. Com cuidado.

A garota começa a gritar e Yamamoto tenta acalmá-la. Reborn apenas ordena que Lambo não faça isso. A vaca idiota claramente não o faz. Ele nunca obedece Reborn, foi assim desde que tinha quatro anos e viu um inimigo para toda vida em um dos mais perigosos hitman.

Lambo explica à garota como ela deve lhe entregar a bomba e ela, mesmo com seus dedos tremendo, ainda é corajosa o suficiente para ouvi-lo. Entrega-o como quem entrega uma carta de amor, como Reborn viu acontecer inúmeras vezes no Japão enquanto Tsuna, Gokudera e Yamamoto ainda estudavam ali. Quando ela entrega e se vê livre daquilo, cai no chão, tremendo, prestes a desmaiar, o choque tomando conta de seu corpo e até mesmo Reborn, que não se importa tanto assim com civis, irrita-se com a coragem desses meninos que fingem ser homens. Yamamoto diz à ela para descer ao porão onde estão todos os outros moradores dos andares debaixo. Quando ela se vai, os três olham para a bomba.

— Meus parabéns, vaca idiota. — Reborn rosna. — Como é que vai se mover agora?

— Vou ir na frente. — Lambo diz. — Qual a probabilidade de eles atirarem em mim se eu tenho uma bomba em mãos?

— Eles nem vão te ver, cara. — Yamamoto responde. — Ou nem vão ver a bomba. Arriscado demais. Melhor ficar aqui e eu peço pro Hayato vir desarmar essa coisa.

Lambo olha para a bomba por um momento longo demais, um segundo virando dois que viram três que viram quatro, e então diz: — Ou eu posso fazer uma coisa bem idiota.

E antes que alguém pergunte o que ele fará, Lambo corre para a janela e a abre, sentando-se no beiral, metade do corpo para fora, a bomba em mãos. Yamamoto corre para impedi-lo, e Lambo assovia para chamar a atenção de quem está atirando no grupo C lá dos outros andares. Há um leve silêncio antes de as balas recomeçarem, mas aí já é tarde demais: Reborn sabe o que vai acontecer e, antes que Yamamoto se aproxime demais, ele o puxa pela gola do terno e o joga no chão.

Lambo lança a bomba três andares acima e ela explode. Assim que ela escapa de suas mãos, ele retorna para dentro da sala, em um movimento tão bem treinado que faz Reborn querer todos os relatórios de suas missões — os únicos relatórios que não leu porque nunca teve interesse em saber como aquele ser de rank inferior e que nem deveria ser um guardião concluía seus trabalhos, antes daquela noite curiosa que atiçou em Reborn um desejo incontrolável de ver o que não notava em Lambo antes (não é irônico? Não é patético? Você está pagando por todos os seus pecados e preconceitos) — para ver que mais besteiras ele fazia.

A bomba explode, tijolos caem e janelas estilhaçam. Há gritos, há uma confusão nos andares de cima, há pessoas correndo pelas escadas com tanta velocidade que parecem manadas de elefantes atravessando o prédio. Provavelmente os civis que usaram dessa distração para correr dos locais que estavam aprisionados ou forçados a ficar.

— Seu idiota! — Reborn diz, vociferando. Yamamoto ri, claramente acostumado com bombas e Gokudera. Gokudera não pertence a Reborn, no entanto, e por isso ele não se importa se o Guardião se explodisse.

Lambo é outra história. E mesmo assim, parece que ele vai sobreviver para conta-la.

(você está fadado a amá-lo)

Três andares depois, o ferimento que pode matar Lambo durante sua brincadeira com a explosão é enfim entregue ao dono: um homem, grande demais, forte demais estoura a porta do banheiro em que estava escondido até um segundo atrás, um ataque parecido com o de próprio Lambo, porém menos preciso. Ele segura a cabeça de Lambo quando o Guardião do Trovão está distraído em atirar em um dos capangas que está à vista, no meio da sala do apartamento, e o empurra contra o batente superior da porta, tão rápido que nem Yamamoto, na cozinha, e Reborn, que está ao lado de Lambo (ou estava. Um momento ele está ali, no outro há uma explosão ao seu lado e madeira se estilhaçando e aparecendo em sua visão e Lambo de repente desaparece de sua visão periférica por causa de uma massa vestindo uma roupa preta, como a morte), conseguem parar ou sequer enxergar. O sangue verte imediatamente e Reborn não pensa, apenas se vira e atira e atira e atira e atira até que não há mais cabeça.

Lambo ainda está acordado, ainda está de pé, mas suas mãos procuram pelo ferimento instintivamente e é apenas nesse instante que os grupo aparecem.

— Tirem-no daqui. — Reborn diz, frio demais, intenso demais. Lambo levanta os olhos para encará-lo. Ele está confuso, mas é possível que seja a porcaria da ferida.

— Não. — Yamamoto diz atrás de si. — É melhor que você vá com o Lambo. — ele diz e encara o homem morto, o sangue ainda escorrendo, o que fora sua cabeça espalhada pelo taco de madeira. Reborn olha aquilo mais uma vez e se pergunta quando foi que se tornou tão antiprofissional, quando foi que Lambo entrou tão dentro e tão rápido de si e se alojou na única parte de Reborn que ele pensou não precisar se preocupar porque estava hibernando em toda aquela frieza que ele chama de personalidade.

Reborn nada diz, apenas agarra Lambo por um dos braços e o puxa dali. O resto são flashes, memórias que ele nunca irá conseguir resgatar, porque a cada três passos seus olhos parecem voltar para Lambo para ter certeza de que ele continua ali, consciente, vivo, capaz. Andando. Tudo é feito no automático e ele sabe que antes de ele chegar à sede dos Vongola, Yamamoto já estará a caminho, o trabalho terminado.

Lambo apenas fala em um momento da viagem, já dentro da mansão e entre a enfermaria e a sala de Tsuna, que se encontra vazia no momento. Ele o chama pelo nome, Reborn dito tão seriamente, e quando ele se vira, Lambo avança, ficando na ponta dos pés para beijá-lo, o ferimento na cabeça confundindo sua visão e fazendo-o beijar o canto de sua boca e não o centro de seus lábios.

Reborn não se importa. Reborn aceita o beijo que deu errado, aceita tudo o que Lambo lhe dá nesse momento, antes de virar o rosto e agarrar aqueles lábios com os seus, sua boca abrindo e fechando tão rápido que de longe poderia parecer uma mordida. Morder Lambo é apenas um de mil desejos que ele nunca soube que desejaria em sua vida, e nem todas as lâmpadas mágicas do mundo poderiam realizar de uma vez.

.

O médico enfim permite que Lambo durma, mais por pena do que por adequação — ao menos nos olhos de Reborn, que manteria Lambo acordado apenas para que ele não se tornasse uma bela adormecida, cujo único beijo que o acordaria seria um de amor verdadeiro e eterno e isso, isso é o que Reborn tem mais medo de dar — e Lambo nem luta, nem diz nada. Apenas suspira e joga a cabeça no travesseiro, sua expressão de alívio se tornando a de quem dorme em uma questão de segundos.

Reborn o observa, os dedos em seus lábios sem nem perceber, os olhos atentos como se estivesse pensando quais os melhores locais para matar Lambo de maneira rápida e indolor. Seu coração bate de um jeito que somente coisas acordadas depois de um sono intenso poderiam fazer.

Lambo dorme à sua frente e sua expressão é serena, cansada, feliz. Reborn se pergunta se ele conseguiria fazê-lo continuar assim quando acordasse, fazê-lo sorrir apenas de encarar o seu rosto, entender quem está o seu lado e não sentir nada mais do que realização e missão cumprida — felicidade nos olhos de alguém que buscou tudo isso desde uma tensa idade (você e ele e isso é algo que possuem em comum).

Sua outra mão agarra a arma que ainda está em sua cintura, aperta aquele metal até o material gelado se tornar morno, até as temperaturas de seus dedos e do objeto estarem iguais. Deveria ter atirado mais. Deveria ter pensado nessa probabilidade de ataque. Deveria ter protegido Lambo, ser mais rápido, ser menos focado no alvo à sua frente, escondido atrás de um sofá velho e fedorento.

Lambe os lábios e jura que Lambo ainda está ali, como o resquício de batom ou gloss ou protetor labial que fica mesmo depois de muitas horas. Como o cheiro de perfume caro em uma casa que ainda permeia o ambiente mesmo depois de um dia inteiro. Como o primeiro amor, o primeiro alvo, a primeira missão bem-sucedida, aquele resquício de memória que fica após tanto tempo e que mesmo assim faz seu coração bater mais rápido.

Reborn lambe os lábios novamente e promete a si mesmo que a próxima vez que ver Lambo dormir será em uma cama mais macia, mais confortável, e ele estará lá por escolha e não por doença, não por ferimento. E seus olhos irão brilhar e seu rosto irá sorrir e aquela voz rouca vai dizer bom dia de um jeito que deixa implícito desejo e alegria e deixa explícito a vontade de beijar e fazer sexo.

A dele ou a sua, eis a questão.


N/A.: Wow, esse capítulo ficou gigante. Não queria fazer uma daquelas histórias em que espera até o último capítulo pros caras ficarem juntos, ainda mais quando esses dois tem tanta pouca história. Espero que gostem dessa mudança :)

Título desse capítulo também vem da música cujos versos titulam a coleção: "Accidentally in love", do Counting Crows.

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Desafio dos 50 drabbles (2.0) Fandom: Katekyo Hitman Reborn! — Ship: Reborn/Lambo — Item: Sabor
(03/10)