Título: Mudblood
Sinopse:
Ele notou que teria sorte se, um dia, seu sangue sujo pudesse se misturar ao puro dela.


Ela achou que o castelo seria tedioso. Na verdade, no começo era de fato. Ela não esperava que os dias fossem os mesmos sem Harry e Ron ao seu lado. Não que passasse todo o tempo sozinha, de maneira alguma. Muitos haviam voltado a Hogwarts para cumprir o sétimo ano. Neville era uma companhia agradável, e, àquela altura ela já se tornara habituada à companhia de Luna. Ginny, no entanto, era sua companhia constante. Mesmo estando no sexto ano, era com Ginny que ela se sentia a vontade. Não substituía Harry ou Ron, mas era uma pessoa maravilhosa, e que vivera as mesmas experiências da guerra do que ela.

De todas as pessoas que haviam retornado a Hogwarts, no entanto, Hermione era a que mais recebia questionamentos. Não precisava estar de volta. Hermione Granger, heroína da guerra, a bruxa mais inteligente de sua idade, certamente tinha lugar garantido aonde ela quisesse. Todos queriam Hermione Granger. Porém, para aqueles que verdadeiramente conheciam a garota, não fora surpresa alguma quando ela anunciou que se formaria em Hogwarts. Inclusive, ela condenava Harry e Ron por não fazerem o mesmo; embora não tivesse sido capaz de convencê-los.

"É fascinante, não acha?" — ela dizia com frequência, dizendo que precisava estar presente para ver os próximos capítulos de Hogwarts: Uma História, sendo escritos bem diante de seus olhos. Ela passava os dedos pela capa grossa do livro, e olhava sonhadoramente para as paredes magicamente reconstruídas do castelo. Ela tinha razão. Hogwarts passava por mudanças profundas, cortava raízes e começava uma nova era que ela se empolgava em assistir. Em fazer parte.

A divisão entre as casas ainda era ordinária, mas não mais excludente como antes. Os alunos, unidos pela guerra, se misturavam com mais frequência. Alunos da Grifinória, Corvinal e Lufa-Lufa quase não mais se distinguiam. Andavam em bandos. Hermione parecia pensar que aquela era a melhor coisa que já havia acontecido na escola. Embora ainda fosse Grifinória, e se orgulhasse infinitamente disso, achava que a guerra havia findado, e com ela devia ser enterrado junto qualquer outra barreira que segregasse os bruxos. Não devia haver segregação, devia haver, mais do que nunca, união. Exatamente por isso, Hermione Granger não aceitava preconceitos — de nenhum tipo. Por isso, foi ela a primeira a levantar a voz quando viu aquela figura pálida e loira sendo hostilizada pelos demais. Fora ela, Monitora-Chefe, que deixou bem claro que aquele tipo de atitude não seria tolerado. Alunos da Sonserina não mereciam retaliação, porque atacá-los nada mais era do que reforçar o ideal separatista de Lord Voldemort.

Ela vira os flagelos da guerra muito de perto. Ela, mais do que nunca, tinha as marcas gravadas na pele de como aquele desmembramento da comunidade bruxa podia ser prejudicial. Ela não pretendia mais deixar aquilo acontecer. Pelo menos não onde ela estivesse presente. E as pessoas sempre sabiam quando Hermione Granger estava presente, porque ela era famosa, era talentosa e se tornara, e ninguém parecia discordar disso, uma mulher muito bonita. Novamente, todos queriam Hermione Granger.

Ele só não podia imaginar que ele também faria parte desse todo. Não podia imaginar que se identificaria com ela, agora que era ele quem sofria um absurdo preconceito reverso. Agora que era ele, o sangue—puro, o hostilizado em todos os lugares em que chegava. Ele usava mangas longas, mesmo no verão, para esconder a Marca-Negra. Ela, por sua vez, não tinha vergonha das cicatrizes, do "Mudblood" friamente eternizado em seu antebraço. Ela dizia que não deveríamos ter vergonha de nosso passado. De nossas escolhas, fossem certas ou erradas.

Ela dissera isso quando dobrara a barra da manga da veste de Draco pela primeira vez. Quando correra os dedos pela marca avermelhada no braço dele, e em seu sorriso quando ele lhe explicara que antes, quando Voldmort estava vivo, ela era preta.

"Mais um motivo para você não escondê-la", ela lhe dissera na ocasião, "porque olhar para ela nos lembra que tudo acabou. Que nada voltará a ser como antes".

Ela sorrira para ele do outro lado do Salão Principal, no dia seguinte, quando ele desceu para o café-da-manhã com as mangas dobradas. Ele sabia que havia surpresa no rosto dos outros Sonserinos, ele sabia que havia censura nos olhos dos demais alunos, e até dos professores, mas Hermione não se importava. E se Hermione parecia aprovar a atitude, então logo os demais fariam o mesmo.

"Não adianta tentar escondermos quem somos, Draco. Esconder sua Marca-Negra não vai fazer ninguém esquecer que você foi um Comensal. Ninguém irá parar de falar sobre isso até você mostrar que não importa mais."

Ele ouvia a voz dela ao longe, lhe dizendo todas as aquelas coisas. Ela era mesmo uma maldita sabe-tudo.

Desviou a mirada até ela. Tinha os olhos castanhos afetuosos, olhando com muita admiração o pôr-do-sol, que era magnífico se visto do alto da Torre de Astronomia. Ela vagava os olhos pelos gramados e pelo lago, imersos em uma paisagem alaranjada, como se realmente pudesse ler novas palavras se formando, compondo um novo capítulo em Hogwarts: Uma História. Ele abaixou os olhos, deparando-se com a horrenda marca em seu braço, o "Mudblood" marcado em sua pele para sempre. Seus dedos se aproximaram, e ela notou, mas não pareceu se importar.

Com muito cuidado e em um silêncio educado, Draco tomou sua mão, ergueu seu braço, e percorreu os dedos sobre as letras mal grafadas em sua pele. Uma caligrafia cruel, e ele agora entendia como aquele conjunto de palavras jamais descreveria Hermione em toda sua plenitude. Olhar para a marca era doloroso, porque era um reflexo de algo que ele próprio havia sido no passado, e era difícil aceitar aquilo agora. Sua aflição provavelmente era óbvia, pois alguns segundos mais tarde ela afirmou que estava tudo bem.

— Por que você não apaga? — ele questionou, sabendo que ela certamente conhecia algum feitiço capaz de sumir com as cicatrizes.

— Depois de tudo o que eu te disse sobre nossos passados, você ainda me pergunta isso? — ela retornou, com aquele tom irritante de sabe-tudo, e com aquele sorriso que combinava tanto com ela e com aquele pôr-do-sol alaranjado, que fazia brilhar seus cabelos castanhos.

Ela tocou a serpente da Marca-Negra, cada dia mais opaca, e seus olhos encontraram os de Draco por um segundo breve e cheio de compreensão. Suas mãos se enlaçaram, e o Mudblood e a Marca-Negra se tocaram. Mas foi a maciez e o calor da pele dela que mais lhe chamaram atenção. Claro que isso não era nada comparado ao fato de que ela se colocava na ponta dos pés, e a maciez e tepidez de seus lábios se apresentaram pela primeira vez a Draco, de modo muito mais efetivo do que a Marca-Negra havia sido grafada em sua pele pálida.

Ele notou que teria sorte se, um dia, seu sangue sujo pudesse se misturar ao puro dela.


NA: Eu nunca prefiro cenas dos filmes, se comparada às dos livros, mas a da tortura da Hermione é uma exceção. A tortura dela no filme é bem intensa. Por fim, foi o ponto de partida que escolhi para essa primeira Dramione da minha vida. Sou inexperiente nesse ship, e escrevi sem nunca nem ter lido nenhuma outra fic a respeito, para não me influenciar. Mas pra tudo tem que ter uma primeira vez, não? Espero que tenha ficado aceitável.