Oi gente!
Cheguei com mais uma!
Espero que gostem!
Boa leitura
Isabella Swan ergueu os olhos do livro que estava lendo ou
tentando ler, olhou fixamente para as chamas coloridas que flamejavam
dentro da grande lareira e imediatamente ficou tensa. Lá estava o homem
outra vez, ganhando forma entre as chamas dançantes e a fumaça que se
retorcia. Ela tentou desviar o olhar, ignorá-lo e voltar à atenção para o livro,
mas a visão a atraiu, ignorando seus desejos e roubando suas opções.
Era como se ele fizesse parte da família, pois não havia como negar que
tinham crescido juntos. Ela tinha começado a ter visões ligeiras dele desde os
seus cinco anos de idade. Na época, ele também era um menino. Quinze
longos anos espreitando, vez ou outra, cenas da vida dele tinham a
transformado de certa forma em dona daquele homem, apesar de não fazer a
menor idéia de quem ele era. Ela o vira desde os tempos em que era um
jovem alto e desengonçado até se transformar em um -o em seus
sonhos, em visões e até sentira a presença dele ao seu lado. Como uma
testemunha a contragosto, observou-o sentindo dor, chorando...Tinha sentido
sua tristeza, alegria e muito mais. Vira-o até mesmo na noite do seu
casamento, o que de certa forma tinha sido um estranho conforto, uma vez
que seu falecido marido estava, obviamente, ausente. Ela não gostava de
invadir a privacidade dele; mesmo assim, nunca conseguira bani-lo.
Essa era uma visão forte, ela pensou, conforme as imagens foram se
tornando cada vez mais nítidas: era como se ele estivesse na mesma sala com
ela. Isabella pousou o livro e avançou para se ajoelhar diante do fogo, pois
uma pontinha de preocupação cutucava-a por dentro. De repente, ela soube
que não se tratava apenas de outra intromissão na vida do homem, mas de um
, refletiu enquanto se concentrava, por isso tivera todas as outras
visões. Ela sabia, sem sombra de dúvida, que o que via neste momento não era
o que estava acontecendo ou que já tinha acontecido, mas o que ainda iria
acontecer.
Ele estava parado diante dos degraus da entrada de uma casa muito
elegante, ajeitando distraidamente suas roupas. Ela sentiu até mesmo o
perfume de rosas e então sorriu envergonhada. O safado obviamente acabava
de vir dos braços de alguma mulher. Se estivesse julgando corretamente a
fisionomia, ele estampava aquele sorriso malicioso que a criada Kate afirmava
que os homens costumam mostrar logo depois de terem satisfeito as
necessidades viris. Isabella desconfiava que o homem da sua visão tivesse
acabado de satisfazer, e muito, tais necessidades.
Uma enorme carruagem preta encostou no meio-fio. Ela quase enfiou a
mão no fogo ao sentir percorrer seu corpo uma súbita necessidade de resgatá-
lo quando ele entrou no veículo. Então, abruptamente e sem aviso, a visão se
transformou em uma seqüência estonteante de imagens breves e
aterrorizantes invadindo sua mente uma após a outra. Ela soltou um grito ao
sentir a dor que ele sentia, uma dor constante e horrível. Eles queriam os
segredos dele, mas ele não podia contar. Um grito rompeu sua garganta e ela
caiu com a mão no pescoço, enquanto uma dor aguda e torturante rasgava de
lado a lado. O seu homem-visão morreu daquela dor. Não fazia diferença se
ela não o vira morto de fato, pois agora na lareira só havia chamas e uma
fumaça fina novamente.
Ela tinha sentido a dor e o frio dentro do corpo dele enquanto o sangue
jorrava do corpo. Por um momento apavorante, ela foi tomada por uma
tristeza profunda e absoluta por aquela perda.
O som dos criados entrando correndo na sala quebrou o momento de
choque enquanto ela engatinhava em direção à mesa onde guardava seus
blocos de rascunho e material de desenho.
— Ajude-me a sentar, Kate — ela pediu à sua jovem e robusta criada.
— Oh, milady, a senhora teve uma visão forte desta vez, como estou
imaginando? — Kate indagou enquanto ajudava Isabella a se sentar. — A
senhora deveria tomar uma boa xícara de chá adoçado, isso sim, e descansar
um pouco também. Alfred, vá buscar um pouco de chá — ela pediu ao alto e
muito magro mordomo que nem se dava mais ao trabalho de tentar explicar
para Kate a hierarquia da criadagem.
— Ainda não. Preciso colocar tudo isto no papel antes que eu me
esqueça.
Isabella ainda estava muito fraca quando finalmente conseguiu
terminar de desenhar o que ela tinha visto e escrito tudo o que conseguia se
lembrar. Ela tomou um gole do chá que o preocupado Alfred serviu a ela e
analisou o que tinha feito. Apesar de temer o que precisava fazer agora, ela
sabia que não tinha escolha.
— Partiremos para Londres dentro de três dias — ela anunciou e quase
sorriu diante das fisionomias de espanto nos rostos dos criados.
— Mas por quê? — perguntou Kate.
— Preciso.
— Onde vamos ficar? Seu tio está ocupando a casa da cidade.
— A casa é espaçosa o suficiente para nos acomodar enquanto faço o que
a visão está me ordenando.
— E o que a visão está mandando, milady? — perguntou Alfred.
— Impedir um assassinato.
— Você não pode se encontrar com Lorde Edward Cullen.
Isabella franziu a testa para o tio que era apenas sete anos mais velho.
Após três dias de estrada, ela estava muito cansada para conversar com ele
quando chegara a Londres, no dia anterior. Depois de dormir muito, perdeu a
hora para tomar o café da manhã com ele. Ela se deu por satisfeita por
poderem almoçar juntos e rapidamente aproveitou a oportunidade para
contar sobre a visão. Ele ficara intrigado e ansioso por ajudar até ela lhe
mostrar o desenho que tinha feito do homem da visão. No mesmo instante, o
belo rosto do seu tio se tornou carregado.
— Por que não? — ela perguntou enquanto cortava um pedaço de
presunto e levava à boca.
— Ele é um conquistador. Se ele não fosse tão rico, não tivesse um título
e viesse de uma família muito tradicional, duvido que seu nome fosse
incluído em tantas listas de convidados. Se o homem faz uma marquinha na
cabeceira da cama para cada conquista, já deve estar na terceira cabeceira.
— Minha nossa! Ele é casado?
— Ah, não. Mas é considerado um partidão. Com todo aquele dinheiro e
sangue azul. E as pretendentes não teriam do que reclamar, pois ele é jovem e
muito bonito.
— Então ele não pode ser tão ruim assim, pode? Digo, se as mães o vêem
como um possível partido para suas filhas...
Marcus Swan balançou a cabeça, sua vasta cabeleira preta pendeu sobre a
testa.
— Mesmo assim ele ainda é um conquistador oportunista. Inflexível,
frio, perigoso e sujeito a uma carrada de boatos sombrios. Ele só não cruzou
ainda aquela linha tênue que o tornaria completamente inaceitável. — Marcus
franziu a testa. — Apesar de às vezes eu me perguntar se aquela linha não é
um pouco, digamos, flexível no que diz respeito a homens como ele. Se
tivesse uma filha, certamente eu hesitaria em empurrá-la para ele. E,
certamente, não desejo atrair a atenção dele para você. Apresentar uma bela e
jovem viúva para Cullen? As pessoas iriam pensar que estou completamente
louco.
— Tio, se não me apresentar a ele, então encontrarei alguém que o faça.
— Bella...
— Você acha que ele pode ter feito algo que justifique seu assassinato?
— Desconfio que existam vários maridos que pensem que sim —
murmurou Marcus ao voltar à atenção à sua refeição, surpreendendo-se por se
dar conta de que já tinha terminado de comer.
Isabella sorriu agradecida ao criado que retirou seu prato e colocou
várias tigelas com frutas entre ela e Marcus. No momento que Marcus acenou
discretamente para que o criado se retirasse da sala, ela relaxou, repousando
os braços sobre a mesa e pegando algumas amoras para colocar no seu
pratinho de sobremesa. Enquanto cobria as frutas com chantili, calculou
cuidadosamente o que deveria dizer em seguida. Ela precisava fazer o que
fosse necessário para impedir que sua visão se tornasse uma profecia de
verdade, mas ao mesmo tempo não queria despertar a ira do tio ao fazer o que
precisava ser feito.
— Se as esposas estão quebrando seus juramentos de casada, acredito que
seja por algo mais do que um rostinho bonito — ela disse. — Um homem não
deveria cometer tal delito, mas duvido que ele seja o único culpado pelo
pecado. — Ela deu uma olhada de canto de olho para o tio e soltou um
sorrisinho. — Pode me dizer, por acaso, que nunca cometeu tal delito?
Marcus fez uma careta para ela enquanto empurrava o prato para o lado,
apanhava uma maçã e começava cortá-la exatamente ao meio.
— Isso não vem ao caso e você sabe muito bem. O ponto é se vou ou não
apresentar minha sobrinha para um famoso sedutor, especialmente sendo ela
uma viúva, o que, portanto, é considerado aceitável. Um conquistador como
ele seria capaz de mastigá-la e cuspi-la sem que você nem percebesse o que
aconteceu. Dizem que ele é capaz de seduzir até uma pedra.
— Isso daria uma união intrigante — ela murmurou e saboreou uma
colherada da sobremesa.
— Droga. — Ele deu um leve sorriso e, em seguida, recuperou a
seriedade outra vez.—Você nunca lidou com um homem como aquele.
— Nunca lidei com nenhum outro homem a não ser Aro, e se
levarmos em consideração o pouco tempo que ele passou ao meu lado,
suponho que ter lidado com meu falecido marido por um ano não conta
muito.
— Ah, não mesmo. Pobre alma.
— A minha ou a dele? — Ela sorriu quando o tio riu. — Compreendo as
suas preocupações, tio, mas elas não têm importância alguma. Não — ela se
apressou em dizer assim que ele iniciou um protesto —, nenhuma delas tem
importância. Estamos falando de uma questão de vida ou morte. Como disse,
sou uma jovem viúva. Se ele me seduzir, então que seja. Isso é apenas da
minha conta e um problema só meu. Depois que tudo for resolvido, poderei
retornar para Coulthurst. Na verdade, se o homem tiver mesmo realizado
todas as conquistas que dizem, então simplesmente serei mais uma entre
tantas e ninguém nem irá notar a minha passagem.
— Por que está insistindo tanto? Você pode ter entendido errado sua
visão.
Isabella negou com um aceno de cabeça.
— Não. É difícil descrever, mas senti a dor dele, senti a sua luta para não
fraquejar e acabar contando o que eles queriam saber. Senti a morte
mais uma coisa que você precisa saber. Essa não foi a primeira vez que tive
uma visão com esse homem. A primeira aconteceu quando eu tinha apenas
cinco anos de idade. Ele tem me visitado há quinze anos.
— Meu Deus. Constantemente?
— Não, mas pelo menos uma vez por ano... Às vezes mais do que isso.
São pequenas espiadelas na vida dele, na maioria das vezes são visões rápidas,
algumas mais claras que outras. Houve muitas um tanto inquietantes, quando
ele estava em perigo, mas neste caso eu via o que ele estava vendo ou algo que
já tinha acontecido. Às vezes eram sonhos também. Ou até mesmo, digamos,
sensações, como se de repente tivéssemos nos tocado de algum modo.
— Como pode ter certeza de que essa visão não era algo que estava
acontecendo ou que já tinha acontecido?
— Pois entre a nauseante avalanche de imagens surgiu a de um jornal
com a data daquele dia. E, é claro, o fato de o homem ainda estar vivo. —
Isabella pôde perceber pela expressão no rosto do tio que ele iria ajudá-la,
mas que gostaria muito de pensar em outra maneira que não fosse ter de
apresentá-la ao homem. — Eu o vi até mesmo na minha noite de núpcias —
ela acrescentou baixinho.
Marcus arregalou os olhos.
— Posso lhe perguntar o que ele estava fazendo?
— Estava olhando fixamente para uma lareira, assim como eu, apesar
de ele ter uma bebida na mão. Por uma fração de segundo, senti como se
estivéssemos compartilhando um momento de contemplação, de solidão ou
desapontamento, até uma tristeza. Não foi uma visão inspiradora, mas,
mesmo estranha como foi, de alguma maneira me senti consolada por ela. —
Isabella espantou a lembrança. — Realmente acredito que tudo aquilo que
aconteceu antes foi para conduzir a este momento.
— Quinze anos de preparação me parece um tanto excessivo — Marcus
resmungou.
Isabella riu, mas seu momento de humor durou pouco, e ela logo
suspirou.
— Foi a única explicação que encontrei para justificar a longa ligação
que tenho com esse homem que nunca conheci. Só queria saber por que
alguém iria querer prendê-lo e torturá-lo antes de matá-lo... Por que aquelas
pessoas querem os segredos dele?
— Bem, correm alguns boatos por aí que ele pode estar trabalhando
para o Ministério dos Negócios Interiores, ou para os militares, contra a
França.
— Claro! Faz muito mais sentido do que um ato de pura vingança de
algum marido traído ou amante ciumento.
— E significa também que muito mais do que a sua virtude pode ser
colocada em risco.
— É verdade, mas isso torna ainda mais importante ajudá-lo.
— Droga. Suponho que sim.
— Então, você irá me ajudar? Marcus assentiu.
— Você tem noção do quão difícil será explicar as coisas para ele? As
pessoas não entendem gente como nós, não acreditam nos nossos dons ou
ficam assustadas com eles. Imagine a reação se, da próxima vez que estiver
jogando baralho com meus amigos, eu disser para um deles que seu tio, que
morreu há mais de dez anos, está espiando sobre o seu ombro? — Marcus sorriu
quando Isabella riu.
Apesar de o exemplo ter graça, a realidade dura e fria que ilustrou não
era nada engraçada. As pessoas temiam os dons que tantos membros da sua
família possuíam. Ela sabia que seus sonhos e visões poderiam levar algumas
pessoas a pensarem que ela tinha enlouquecido. Este era um dos motivos pelo
qual ela tinha se afastado da sociedade. Às vezes, apenas o toque em alguma
coisa podia despertar uma visão. Marcus via com toda nitidez todos aqueles que
tinham morrido e que ainda não tinham viajado para o destino final. Era
comum ele saber dizer quando ou por que uma pessoa tinha morrido
simplesmente tocando em algo ou estando no lugar onde ela tinha falecido. A
única coisa que ela achava perturbadora sobre o dom de Marcus era que,
ocasionalmente, ele era capaz de dizer quando alguém estava prestes a
morrer. Ela desconfiava que, em muitos sentidos, ele era muito sozinho.Tão
solitário quanto ela.
— Isso torna a vida mais difícil — ela murmurou. — Costumo me
consolar com a ideia de que poderia ser pior.
— Como?
— Poderíamos ter nascido com o dom do primo Alec. — Ela meneou
a cabeça quando Marcus franziu a testa. — Ele se transformou em um eremita,
tem medo de tocar em qualquer um, até mesmo de se aproximar das pessoas
por receio do que possa sentir, ouvir ou ver. Poder ver com tanta clareza
dentro da mente e do coração de todos? Acho que isso logo me levaria à
loucura.
— Costumo sempre me perguntar se o pobre Alec já não está, ao
menos um pouco, louco.
— Você o viu recentemente?
— Cerca de um mês atrás. Ele trocou os criados por outros cuja mente
ele não pode ler, com a ajuda da tia Dob. — Marcus franziu a testa. — Ele acha
que está conseguindo adquirir os escudos protetores que tanto necessita, mas
ainda precisa criar coragem para testar. Mas, então, em que aspecto nossa
situação é melhor do que a dele? Você se esconde em Coulthurst, e eu me
escondo aqui.
— É verdade. — Isabella olhou ao redor da elegante sala de jantar
enquanto tomava um gole de vinho. — Ainda estou surpresa que tia Leona
tenha deixado este lugar para mim, e não para você. Ela certamente sabia que
você se sentiria confortável aqui.
— Ela estava brava por eu não ter me casado com a sobrinha do marido
dela.
— Meu Deus!
— Pois é. Acho que ela mudou o testamento quando ainda estava brava
comigo e depois morreu antes que tivéssemos tempo de fazer as pazes.
— Você deveria permitir que eu passasse a casa para o seu nome.
— Não. Eu me contento em alugar de você. Estou sempre à procura de
outro lugar e, se um dia esse acordo se tornar inconveniente, então podemos
discutir a questão. Agora, vamos planejar como podemos nos encontrar com
Lorde Cullen e fazê-lo entender o perigo que está correndo sem que nós
dois sejamos mandados para o hospício.
Duas noites depois, enquanto ela e Marcus adentravam no salão de baile
lotado, Isabella ainda necessitava de um bom plano, e seu tio também não
tinha nenhum para oferecer. Isabella se agarrou ao braço do tio enquanto
eles circulavam pelas laterais do imenso salão. Olhando ao redor para todas as
pessoas elegantes, ela se sentiu como se fosse um passarinho preso no centro
de um bando de pavões. Havia tantas mulheres bonitas e elegantes que ela se
perguntou por que o tio tinha imaginado que ela precisaria se preocupar com
a sua virtude. Um famoso conquistador como Lorde Edward Cullen nunca
iria considerá-la digna do seu tempo e esforço com tanta abundância à
disposição.
— Você está nervosa? — perguntou Marcus.
— Apavorada — ela respondeu. — Isso é sempre assim?
— Na maioria das vezes. As festas oferecidas por Lady Barnelby são
sempre cheias.
— E você acha que Lorde Cullen pode estar no meio desta multidão?
Marcus assentiu.
— Ela é prima dele, um dos últimos membros que restou na família. Mas
precisamos procurar com atenção. Ele virá, mas não ficará por muito tempo.
Tem muitas jovens caçando um marido por aqui.
— Estou surpresa que você tenha se aventurado a se expor a todo esse
perigo.
— Ah, mas não passo de um humilde barão. Cullen é um marquês.
Isabella balançou a cabeça.
— Você faz isso tudo parecer um simples mercado sórdido.
— De certo modo é. Ah, que bom, estou vendo Jasper e Emmett.
— São seus amigos? — Marcus saiu andando, conduzindo-a ao outro
extremo do salão, mas ela não conseguia ver os homens de quem ele tinha
falado entre a multidão.
— Não, são amigos do marquês. Certamente ele se juntará a eles assim
que chegar.
— Os iguais se procuram?
— Mais ou menos isso. Oh, droga.
Antes que Isabella tivesse tempo de perguntar o que tinha deixado seu
tio tão tenso, uma ruiva adorável e opulenta surgiu ao lado dele. E, se tinha
julgado corretamente a expressão do tio, ele não parecia estar nada satisfeito
em ver a mulher, o que aguçou a curiosidade de Isabella. Ao olhar mais de
perto a beleza clássica do rosto da dama, Isabella viu algumas linhas de
expressão ao redor dos olhos e da boca e desconfiou que ela fosse mais velha
do que Marcus. A mulher, por sua vez, fitou-a com um olhar severo e avaliador.
Um momento depois, algo sobre o comportamento dela indicou a Isabella
que ela não tinha sido bem avaliada aos olhos da outra, que ela tinha sido
considerada um casinho sem importância.
— Por onde você andou, Marcus, querido? — a ruiva perguntou. — Não o
vejo há duas semanas.
— Tenho andando ocupado, Victoria — Marcus respondeu num tom frio
e distante.
— Você trabalha muito, meu querido. E quem é a sua companheirazinha?
— Esta é a minha sobrinha, Lady Isabella Swan— Marcus disse com
uma clara relutância em fazer as apresentações. — Isabella, está é a senhora
Victoria Dellingforth.
Isabella fez uma discreta reverência. E o cumprimento que a senhorita
Dellingforth lhe deu em resposta foi tão sutil que ela duvidou que a mulher
tivesse dobrado os joelhos um pouquinho sequer. Mas, por sorte, seu tio
tinha desviado o olhar no momento exato e não viu o insulto à sua parenta. A
tensão incitada pelo cada vez mais embaraçoso confronto estava começando a
pesar sobre os ânimos já alterados de Isabella. Fosse em qualquer outro
momento, ela teria se divertido com as nuances sutis, e nem tão sutis, da
conversa entre o tio e a senhora Dellingforth, mas agora tudo que ela queria
era que a mulher de olhar frio fosse embora. Ela se inclinou próxima a Marcus e
começou abanar o rosto com o leque.
— Tio, estou sentindo muito calor — disse, no que esperava ter sido
um tom de voz extremamente enjoado.
— Você gostaria de se sentar, minha querida? — ele perguntou.
— Você não deveria tê-la trazido para cá se ela não está bem — disse a
senhora Dellingforth.
— Oh, não estou passando mal — disse Isabella. — Só estou um pouco
sufocada.
— Se nos der licença, Victoria, preciso atender minha sobrinha —
disse Marcus ao mesmo tempo em que já conduzia Isabella na direção de
algumas cadeiras dispostas contra a parede.
— Não foi uma retirada muito sutil, tio — murmurou Isabella,
apressando o passo para conseguir acompanhar as passadas longas do tio.
— Não me importo.
— O romance morreu, é isso?
— Completamente, mas ela se recusa a deixá-lo decentemente
enterrado.
— Ela é muito bonita. — Isabella se sentou na cadeira e ajeitou a saia.
— Eu sei, foi por isso que me deixei seduzir. — Ele apanhou duas taças
de vinho da bandeja de um criado e entregou uma a Isabella. — Foi uma
aventura passageira. Para ser curto e grosso, meu desejo foi rapidamente
satisfeito e, uma vez saciado, descobri algo quase repulsivo sobre a mulher.
Ao perceber o quanto os pensamentos incômodos tinham escurecido os
olhos esverdeados do tio, Isabella fez um leve afago na mão dele.
— Se servir de consolo, eu também me senti desconfortável perto dela.
Achei que ela é muito fria.
— Foi exatamente o que senti. — Ele franziu a testa e tomou um gole do
vinho. — Tive algumas das sensações que costumo ter quando estou perto de
uma pessoa que está prestes a morrer, mas sei que este não é o caso dela.
— Que tipo de sensações?
Ele sorriu.
— É difícil explicar, mas é como se estivessem faltando alguns pedaços,
como se tivessem sido deixados para trás ou levados.
— Da alma?
— Um tanto fantástica, mas talvez seja uma explicação tão boa como
qualquer outra. Uma vez que meu desejo cego desapareceu, eu não suportava
nem tocá-la, pois podia sentir aquele vazio arrepiante. Inventei algumas
desculpas patéticas e a abandonei. Ela parece incapaz de acreditar que não
quero mais nada com ela. Acho que deve estar acostumada a ser adorada.
— Que bom para ela. — Isabella tomou um gole do vinho enquanto
observava à senhora Dellingforth conversar com uma loira. — Quem é aquela
que está com ela agora?
— É a irmã dela, madame Tania des Rouches.
— Elas são francesas?
— Exiladas. O marido de Tania foi morto por estar do lado errado em
mais uma disputa por poder, e Victoria se casou com um inglês pouco
tempo depois de terem se mudado.
— Que vergonha, seu safadinho. Uma dama casada? Tsc, tsc.
— Uma viúva, sua peste. O marido dela morreu seis meses depois do
casamento.
— Que conveniente. Ah, bem, pelo menos Victoria não estava fedendo
a rosas. Pois se ela estivesse, acho que eu poderia ser forçada a me encontrar
com ela novamente.
Marcus coçou a bochecha enquanto franzia a testa, pensando.
— Não, Victoria não usa perfume de rosas. Tania, sim.
Isabella fitou as duas mulheres e por um momento desejou ter ao
menos um pouquinho do dom do seu primo Alec. Se ela conseguisse
simplesmente arrancar a verdade das mentes dos inimigos, iria ajudar muito a
resolver a confusão em que tinha se metido. Mas ela desconfiava que logo
quisesse se ver livre de tal dom. Se ela e Marcus já tinham captado sentimentos
perturbadores das duas mulheres, ela não queria nem pensar no que o pobre
Alec iria sofrer com a sua sensibilidade acurada. Apesar de preferir evitar
as duas mulheres, ela sabia que ainda teria de se aproximar da irmã que, em
algum momento, tinha concedido determinados favores que uma dama de
boa reputação não concederia. Havia uma grande possibilidade de que
pudesse chegar a alguma conclusão, talvez até ter uma visão. Uma vez que a
vida de um homem estava em jogo, ela não poderia permitir que o medo pelas
verdades repulsivas que eventualmente viesse descobrir a detivesse.
— Creio que deveríamos investigá-las um pouco — ela disse.
— Por elas serem francesas e Tania cheirar a rosas?
— É um motivo tão bom quanto qualquer outro. Assim como pode ser
um meio de nos ajudar a resolver o problema sem que tenhamos que nos
expor muito.
Marcus concordou com um aceno de cabeça.
— É verdade. Uma simples investigação. Até conheço algumas pessoas
que podem me ajudar a fazer isso. — Ele arregalou os olhos discretamente. —
Se levarmos em conta alguns dos amantes que aquelas mulheres já tiveram é
de surpreender que ainda não tenham sido investigadas. Pensando melhor,
elas parecem gostar muito de homens que poderiam saber de coisas úteis ao
inimigo.
— E ninguém as vê como uma ameaça porque elas são mulheres bonitas.
— É irritante assumir, mas acho que você pode estar certa. Claro, tudo
não passa de mera especulação. Mesmo assim, acho que elas devem ser
investigadas e vigiadas simplesmente porque são francesas e conhecem,
intimamente, vários homens importantes.
De repente, Isabella ficou tensa, mas, por um momento, não soube ao
certo porque ficara tão abrupta e intensamente alerta. Bebendo seu vinho, ela
se esforçou para recuperar a calma e se concentrar no que estava sentindo
exatamente. Para sua surpresa, percebeu que estava sentindo
ele. Ele estava irritado, mas ao mesmo tempo havia uma pitada de prazer. Ela desconfiou
que aquela pitada de prazer tivesse vindo por ter avistado sua prima.
— Bella!
Ela piscou lentamente, fixando o olhar no tio.
— Desculpe. O que estávamos falando mesmo?
— Eu estava pensando se você teve uma visão — ele respondeu num tom
de voz baixo. — Você estava distante.
— Ah, não. Não foi uma visão. Foi só uma sensação.
— Uma sensação?
— Sim. Ele está aqui.
Edward Cullen, o sétimo marquês de Masen, cumprimentou sua prima,
uma mulher de formas um tanto arredondadas, Lady Beatrice Bartley,
com todo seu charme. Ela era uma mulher de bom coração, embora fosse um
pouco tola. Dez anos mais velha do que ele, em vários sentidos, ela era muito
mais como uma tia carinhosa e meiga do que uma prima. Quando ele ainda
era criança, ela fora, em várias ocasiões, sua única fonte de conforto. Gratidão
por aqueles tempos foi o que o trouxe até a festa, o que o fez entrar, quase de
bom grado, na balbúrdia de uma festa da alta sociedade. Não fosse pelas
eventuais tentativas da prima de tentar arrumar uma esposa para ele, ele lhe
era muito grato.
Ele cumprimentou o excessivamente alegre marido da prima, que, por
sinal, sabia muito mais sobre a vida secreta de Edward do que Beatrice. A
aparência enganadora de homem interiorano de William escondia uma mente
brilhante que selecionava de maneira eficiente homens da inteligência de
Edward para juntar-se ao governo. O sorriso de Edward alargou
discretamente quando William lhe deu uma discreta piscadela. Os dois
sabiam que ele não iria conseguir continuar fugindo das mães casamenteiras e
de suas filhas assim que o momento de cortejar fosse liberado.
— Oh, Edward tivemos muitas surpresas agradáveis esta noite — disse
Beatrice. — Uma dessas estava perguntando por você.
Apesar de ter ficado um pouco tenso, uma vez que havia várias pessoas
que não desejava ver, Edward perguntou agradavelmente:
— E quem seria essa pessoa, prima?
— Outra que raramente costuma comparecer a festas. Um tanto reclusa,
mas toda a família dela é assim. O que é uma pena, pois se trata de um jovem
adorável. E ele está acompanhado da sobrinha.
— Ele?
Beatrice assentiu.
—Marcus Swan, Barão de Uppington. Eu não sabia que você conhecia o
homem.
— Na verdade, não o conheço. De passagem, no máximo. Ele disse que
estava a minha procura? — Uma vez que William não tinha lhe dado
nenhum sinal de alerta, Edward relaxou um pouco.
— Não, ele só perguntou se você queira apresentá-lo à
sobrinha. Ela é uma jovem encantadora. É viúva, judiação. Como não deve ter
mais do que vinte anos, a pobre provavelmente perdeu o marido pouco
depois de terem se casado. Tão triste.
Edward concordou com um aceno de cabeça, pensando que Bea talvez
fosse a única pessoa em toda a Inglaterra capaz de considerar aceitável que
alguém o apresentasse a uma jovem viúva. Ele só conhecia o Barão Uppington
de vista e de ouvir falar, mas não podia acreditar que o homem estivesse
disposto a colocar diante dele a sobrinha. Eram poucos os que sabiam que sua
fama de conquistador era mais boato do que fato, e se fossem descontadas às
vezes em que a sedução tinha sido usada mais como uma ferramenta para
conseguir informações para o rei e o país, isso era ainda mais verdadeiro. Mas
o Barão Uppington não era um desses poucos privilegiados.
Ele também não acreditava que o plano do barão fosse arrumar um
marido para a sobrinha. A curiosidade o atiçou, e ele não pôde resistir, apesar
de saber muito bem quais os perigos acarretados. Então, mais uma vez, ele
refletiu enquanto pedia licença aos primos e seguia na direção dos seus
amigos Jasper e Emmett, pois Edward conhecia muito bem todas as armadilhas
que as casamenteiras podiam armar para um homem
escapando delas há anos. Poderia escapar facilmente mais uma vez.
Quando estava a apenas um passo dos amigos, Edward captou pelo
canto dos olhos uma rápida movimentação e viu o Barão Uppington se
levantar da cadeira encostada à parede onde ele estava sentado. Em seguida,
Edward deu uma olhada na companheira do lorde e teve um sobressalto. A
brusca tomada de consciência que perpassou todo seu corpo assustou Cullen.
A mulher que estava se levantando e olhando para ele tão intensamente não
era do tipo que costumava despertar seu interesse.
Bastou uma rápida olhada de especialista para registrar e avaliar todos
os atributos da moça. Ela era miúda e delicada. Os fartos cabelos
castanhos que refletiam um tom avermelhado sob as luzes das velas estavam presos ao
alto num penteado discreto, com apenas alguns cachos pendendo para
suavizar o conjunto, um estilo que combinava com o rostinho que tinha o
formato parecido com o de coração. As sobrancelhas escuras eram
suavemente arqueadas, e mesmo de longe pôde perceber os cílios compridos.
O pescoço era longo, uma garganta alva e macia que implorava por ser
acariciada por um homem. Ela empinou o queixo quando percebeu que
estava sendo observada, mostrando um toque de força no semblante delicado.
Uma pitada de cor iluminou a linha perfeita das maçãs do rosto, e ela abaixou
os olhos para o narizinho fino e delicado de um modo que quase fez com que
ele deixasse escapar um sorriso. A única coisa que não combinava muito com
o rosto meigo e inocente era a boca. Era levemente grande, com lábios fartos
que acenavam pecaminosamente.
O corpo era esbelto, até demais, mas a elevação da pele sedutoramente
pálida sobre o decote discreto do vestido indicou que ela tinha maciez o
suficiente para agradar a qualquer homem. De repente, ele foi tomado pelo
desejo de tocar naqueles quadris para verificar se eles eram tão femininos
quanto aparentavam, mas tratou de expulsar logo o pensamento da mente.
Edward disse a si mesmo que não precisava verificar se a viuvinha estava
usando roupas que escondiam suas formas, mas uma voz, lá no fundo, o
chamou de mentiroso.
Então seus olhos se encontraram com o olhar fixo e curioso dela, e seus
batimentos cardíacos dispararam um pouco. Os olhos da mulher tinham um
tamanho que fazia com que parecessem um pouco grandes para o rosto
delicado e eram de um tom de castanho intrigante. Deu para enxergar
perfeitamente a cor, pois ela o encarou com a mesma intensidade com que ele
a encarava. A impressão de que já a conhecia de algum lugar, apesar de estar
certo de que nunca tinha visto a mulher, deixou-o um pouco desconfortável.
Assim como tinha certeza de que nunca tinha visto olhos como aqueles.
Edward tinha certeza de que iria se lembrar se tivesse visto, mas mesmo
assim não foi fácil se livrar da sensação de que já a conhecia.
— Milorde, poderia nos dar um minuto do seu tempo? — Lorde
Uppington perguntou.
— Claro — Edward respondeu, aproximando-se do casal.
— Permita que eu lhe apresente a minha sobrinha, Isabella,
Lady de Coulthurst. Isabella, este é Edward Cullen, Marquês de Masen.
— Encantado — Edward murmurou.
Isabella quase sorriu quando ele se inclinou e beijou delicadamente as
costas da sua mão. Fugindo às regras da boa educação, para um homem da sua
posição, os lábios se demoraram um pouco. Ela pôde sentir o calor da boca
sensual através do tecido da luva. Um arrepio subiu-lhe pelo braço, e sua
mente sussurrou a palavra perigo. Ele despertou algo dentro dela, algo que ela
não reconhecia, mas que ficou com vontade de experimentar. Mas não era
para isso que ela tinha vindo a Londres.
O marquês possuía o tipo de beleza capaz de levar uma mulher a
cometer uma loucura, mas isso não surpreendeu Isabella. Ela já tinha visto
passagens suficientes da vida dele ao longo dos anos para desconfiar disso.
Ainda bem que estava acostumada com homens altos, pois o elegante Masen
era uns trinta centímetros mais alto do que ela, ultrapassando em
até mesmo o impressionante um metro e oitenta de Marcus.
Ela permitiu que seu olhar passeasse pelo homem e ficou encantada
com cada traço de perfeição que encontrou. Os cabelos eram de um tom
castanho cobre, que sob a luz das velas ganhavam nuances avermelhadas que
lhe conferiam vida. Isabella ficou feliz por ele ser um dos que abandonaram o
uso de pó de arroz. Os dedos da sua mão curvaram de vontade de se
enterrarem no farto cabelo. O rosto era uma obra-prima da natureza, cada
traço parecia ter sido talhado pela mão de um hábil
as linhas eram limpas, desde os ossos da face até o queixo
anguloso. Até mesmo o nariz era perfeito: atrevido, reto e fino o suficiente
para que não parecesse muito grande e saliente. A bela cor dos cabelos
combinava com as sobrancelhas, e os cílios eram espessos e longos o bastante
para causar inveja às mulheres, mas não tão viçosos a ponto de destoar do
rosto aristocrático. A boca seduziu-a de um modo que ela nunca tinha
experimentado antes, pois os lábios fartos prometiam uma tepidez suave e
pecaminosa.
Ele era, ela concluiu, muito perfeito para que qualquer uma fosse capaz
de lidar racionalmente com o conjunto. Apesar do seu dom, ela se orgulhava
de ser uma mulher lógica, de ser capaz de olhar sob a superfície encantadora e
bela. Mas o que mais a incomodava era que ela sabia, de algum modo, no
fundo do coração e da mente, que ela poderia almejar o que havia sob a
superfície deste homem.
Percebendo que ele ainda segurava a sua mão, ela gentilmente soltou-a
e ficou um tanto irritada quando notou que as luvas caras que ele vestia
também eram perfeitas. Dedos longos e elegantes fizeram com que ela
imaginasse se ele possuía algum talento artístico. Quando Isabella se deu
conta de que estava ponderando quão habilmente aquelas mãos masculina
poderiam acariciar a pele de uma mulher, ela tratou de trazer a mente de
volta aos problemas que a tinham trazido para Londres.
— Prazer em conhecê-lo, milorde — ela murmurou, espalmando as mãos
sobre a saia e rezando para que essa fosse uma pose de serenidade capaz de
ocultar o estranho, mas forte desejo de tocá-lo.
— Sua sobrinha? — Edward perguntou com um tom de surpresa na voz.
— É filha do meu irmão mais velho — explicou Marcus, sorrindo em
seguida. — Também tenho um sobrinho um ano mais velho que eu. —
Subitamente, Marcus se virou e olhou feio para Isabella. — Por que você não
procurou por Seth para ajudá-la com este problema?
— Ele não se encontra em Londres —Isabella respondeu.
— Onde ele está?
— Nos Estados Unidos. A última notícia que recebi foi que ele planejava
viajar para o sul daquele país, pois tinha ouvido falar que os escravos de lá
possuem algumas crenças e práticas interessantes. Estou esperando para saber
do que se trata.
— Vocês têm algo que precisavam discutir comigo? — perguntou
Cullen, interrompendo o que ele desconfiou que fosse uma conversa que
ainda iria render muito. — Tem algum problema que acham que eu possa
ajudá-los a resolver?
— Sim e não — respondeu Marcus, voltando as atenções para Cullen. —
Na verdade, Isabella pode explicar melhor por que procuramos pelo senhor.
— Marcus corou o rosto. — Acho que se trata de algo um tanto difícil de
explicar.
— Bom, ruim, fácil ou difícil, a pura verdade costuma funcionar.
— Nem sempre — Marcus murmurou e logo em seguida deixou escapar um
palavrão quando percebeu Tania se aproximando por trás de Cullen. —
Madame — ele disse, movendo-se para se colocar entre ela e Edward —, por
acaso veio me convidar para nossa dança? Que ser desprezível sou por forçá-
la a tamanha inconveniência. — Ele continuou falando enquanto a tomava
pelo braço e a levava para longe.
Isabella permaneceu parada ao lado de Cullen, observando o tio que
rodopiava, cheio de graça e crueldade, na pista de dança com a emburrada
Tania, que ela foi obrigada a admirar.
— Foi uma atitude muito eficaz, não acha? — ela perguntou após alguns
momentos tensos de silêncio e então sorriu para Lorde Masen quando ele
desviou o olhar severo de Marcus e Tania para fitá-la.
— Foi um ato que certamente chamou a atenção de muitos — Edward
disse, ciente dos olhares curiosos lançados em sua direção. Tal tipo de
curiosidade não era algo que interessava a um homem da sua posição.
— Ah! E foi uma tremenda gafe social da parte do meu tio dançar com a
sua amante, não foi?
Edward franziu ainda mais a testa num esforço de ocultar a surpresa
diante da afirmação direta. Na verdade, várias pessoas desconfiavam que
Tania fosse sua amante, mas ele ainda não tinha dado aquele passo final
para oficializar a situação. A dança da sedução entre ele e a loira adorável
tinha apenas começado. Ele não era do tipo de homem que fazia as coisas às
pressas, pois muita impaciência poderia despertar suspeitas. Mas onde, ele se
perguntou, e como esta mulher tinha conseguido tal informação? Ele tinha
certeza de que ela freqüentava as rodas sociais menos ainda que o recluso
Marcus. E era incomum, até mesmo espantoso, que uma mulher falasse tão
abertamente sobre tais assuntos.
— E o que a levou a pensar que Tania é minha amante? — ele perguntou.
— Ela exala um forte perfume de rosas.
— Bem, isso é verdade. — Edward estava começando a pensar que a
sobrinha de Marcus tinha sido afastada do convívio social por não bater muito
bem da cabeça.
Isabella sorriu quando percebeu a expressão que Masen tentava
esconder. Era dolorosamente familiar e indicava que ela sem dúvida estava a
um passo de ganhar um lugarzinho no hospício. O que antes parecera tão
simples — vir para Londres e alertar o homem — agora já não parecia mais
tão simples assim. Ela deveria ter prestado atenção às palavras de Marcus. Como
dizer para um homem que ele deve evitar uma bela mulher que cheira a
rosas, porque, na próxima lua cheia, ela poderá enviá-lo para uma morte
demorada e dolorida?
— Milorde, estou certa de que já deve ter ouvido uma ou duas histórias
sobre a minha família, sobre os Swan — ela iniciou.
— Não costumo dar atenção a boatos. — De repente, Edward percebeu
que essa mulher não estava fazendo nenhuma tentativa de flertar com ele e
então se perguntou por que isso causou certa irritação. Seu dever no
momento era seduzir Tania, não se interessar por uma viúva interiorana
de cabelos castanhos.
— Muito louvável da sua parte, mas não foi exatamente isso que
perguntei, foi? Nós, os Swan, e nossos parentes próximos,
há muito tempo somos considerados incomuns, eu diria. Incomuns de um
modo que custou a vida de muito de nossos ancestrais, pois eles foram
julgados, condenados e executados por prática de bruxaria.
— Ah, é claro. — Edward relaxou. Agora ele sabia com o que estava
lidando. A sobrinha de Marcus era apenas uma jovem que acreditava nos
rumores sobre a sua família que provavelmente acreditava possuir algum
dom mágico. Tudo bobagem, mas não muito alarmante.
Isabella não gostou nada do pesado ar de superioridade que ouviu por
trás daquelas palavras. O tom da voz de Edward fez com que ela cerrasse os
dentes, irritada
— Não tenho nenhum problema em aceitar a descrença dos outros,
milorde, mas ar de superioridade costuma me irritar.
— Peço desculpas, milady.
— Ótimo. Desculpas aceitas apesar de não haver nenhum pingo de
sinceridade nelas. — Ela ignorou o discreto arquear de sobrancelha que ele
deu em resposta. — Se sincero, milorde, o senhor não questionaria a intuição
de um homem sobre algo, não é? Se aquele soldado que estava ao seu lado no
campo de batalha subitamente lhe dissesse que estava com uma sensação de
que havia uma armadilha adiante, o senhor teria lhe dado ouvidos, não teria?
— Pode ser — ele murmurou.
— Obrigada.
— Então, a senhora teve uma intuição que diz respeito à minha pessoa?
Como isto pode ser possível? Nunca nos conhecemos.
— É verdade que o senhor nunca me conheceu. — Ela quase riu da
fisionomia confusa que surgiu no belo rosto, mas sua atenção foi roubada pelo
tio. — Oh, não. Droga, droga.
Marcus não parecia nada bem quando passou por eles. Ela foi atrás, mas
ele apenas murmurou algo sobre os jardins e continuou se movendo. Havia
um brilho em seus olhos que lhe causou arrepio, fez com que ela temesse pela
sanidade do tio. Algo muito pior do que a visita de algum fantasma tinha
colocado aquele olhar ali. Isabella amaldiçoou: eles não estavam precisando
de mais confusão.
— Preciso ver o meu tio, milorde — Isabella disse.
— Ele não parecia estar muito bem — Edward concordou.
— Não mesmo. Ele não estava passando bem. Por favor, milorde, ouvi
dizer que o senhor não costuma ficar muito tempo neste tipo de evento
social, mas eu lhe peço que espere por mim. Eu realmente preciso falar com o
senhor.
Antes que Edward tivesse tempo de prometer qualquer coisa, Lady
Isabella o deixou. Ela parou na perseguição ao tio apenas uma vez, para alívio
de um garçom com olhos arregalados, que carregava uma bandeja cheia de
taças. Isabella rezou para que Lorde Masen esperasse pelo seu retorno, que
a curiosidade o segurasse no baile, ao menos para descobrir que coisas
estranhas ela tinha para lhe dizer. Se ele se fosse, entretanto, ela iria atrás
dele outra vez, prometeu a si mesma. Mas agora seu interesse estava voltado
somente para o seu tio.
Edward franziu a testa às costas da senhora Swan, dividido entre
ficar e descobrir o que estava acontecendo ou fugir da mulher esquisita antes
que caísse em uma armadilha que ele não fazia idéia do que pudesse ser. Mas
então ele avistou Tania, cortando caminho entre a multidão e vindo
diretamente na sua direção, com um brilho de caçadora nos olhos. A sua
breve estada no baile da prima estava começando a se mostrar muito
complicada. O fato de Tania ter tentado se aproximar dele duas vezes
nesta noite era um bom sinal, do qual ele deveria tomar proveito o quanto
antes. Entretanto, no exato momento, ele estava mais inclinado a ir atrás dos
dois Swan. Quando se deu conta abruptamente de que não conseguia
pensar em Lady Isabella como sendo uma Volturi, sua curiosidade
aumentou ainda mais. Qualquer um capaz de causar um efeito tão estranho
nele definitivamente merecia ser investigado.
O flerte de um jovem rapaz distraiu Tania do seu objetivo. Edward
amaldiçoou a indecisão e então cedeu ao surpreendentemente forte desejo de
ir atrás dos Swan. Foi preciso muito esforço para não passar direto pelos
seus amigos quando eles acenaram. Ele parou para trocar uma palavrinha
com Jasper e Emmett, homens que compreendiam as mentiras e os segredos da
sua vida, pois eles também compartilhavam destes.
— Quem era a bela morena que estava com Swan? — perguntou
Jasper, com um brilho de curiosidade em seus olhos.
— É a sobrinha de Swan, Lady Isabella Swan-Volturi — Edward
respondeu, rapidamente acrescentado um hífen ao último sobrenome quando
se deu conta de que mais uma vez ia ignorar o sobrenome de casada da
mulher, mas acabou rindo dos olhares de surpresa e dúvidas que havia nos
rostos dos seus amigos. — Ela é filha do irmão mais velho do barão. Ficou
viúva há pouco tempo, do infeliz do Aro Volturi de Coulthurst. — Por
que pronunciar o nome do homem tinha lhe dado um gosto amargo na boca,
ele não fazia a menor idéia.
— Droga — murmurou Emmett, fazendo uma careta na direção onde os
Swan tinham ido. — Aquele era um homem que nunca deveria ter se
casado com ninguém, muito menos com uma mulher tão jovem e bela quanto
aquela.
— Por que não? — Edward se lembrava vagamente de algo que deve ter
sido despertado quando ele ouviu o nome Volturi de Coulthurst, mas a
memória ainda lhe escapava.
— O sujeito não era muito chegado a mulheres. Nunca foi. Nem sei se
podia ser, apesar de não saber ao certo o por que. Assim como também nunca
houve nenhum indício de que ele gostasse de homens ou de qualquer outra
coisa.
— Que desperdício.
— Total. A sua presa atual pelo jeito virou a mesa e agora estava à sua
caça, meu amigo — sussurrou Jasper enquanto observava Tania se
livrando de um homem para logo em seguida ser parada por outro na sua
nova perseguição a Cullen. — Ela está facilitando o seu trabalho.
— Muito suspeito — disse Cullen. — O dever me obriga a ficar e
permitir que ela me seduza, mas meus instintos dizem que devo ir atrás dos
Swan.
— Então vá. Seus instintos normalmente estão certos. Ouvi dizer que os
Swan são um tanto estranhos, mas que são honrados e que se pode confiar
na palavra deles. Vamos esperar aqui para impedir, se for preciso, que a bela
Tania vá atrás de você.
"Isso é reconfortante", Edward pensou, enquanto seguia rumo aos
jardins. Mas ficou curioso em como Jasper podia saber tantas coisas sobre os
reclusos Swan. Na verdade, Jasper e Emmett sempre o surpreendiam com o
vasto conhecimento que sempre mostravam ter acerca de vários membros da
sociedade. Ele não tinha dúvida de que, se eles já não sabiam dos seus
segredos, logo iriam acabar escarafunchando-os. Se um dia a dupla resolvesse
aderir à prática da chantagem, eles poderiam se tornar homens muito ricos.
Depois de procurar pelos jardins da sua prima durante alguns minutos,
Edward estava começando a temer que os Swan já tivessem ido embora.
Ele seguiu o barulho da fonte e finalmente avistou o casal. A luz do luar e as
tochas que circundavam a área ao redor da fonte iluminavam com clareza a
dupla. Lorde Uppington estava sentado sobre um banco de pedra, com os
cotovelos apoiados sobre os joelhos e a cabeça apoiada nas mãos. Lady
Volturi estava ao lado, esfregando delicadamente os ombros do tio. Edward
sentiu os ombros aquecidos só de imaginá-la fazendo o mesmo com ele e
rapidamente espantou o ousado pensamento.
Quando Lorde Uppington lentamente se endireitou, Edward contraiu a
testa. O homem parecia muito mal, e Edward imaginou se Tania tinha
algo a ver com o estado de Swan. Apesar de não conseguir imaginar nada
que a mulher pudesse ter dito ou feito em um salão de baile lotado para
deixar o homem tão prostrado, Edward não podia ignorar o fato de que Lorde
Uppington estava com a mulher quando sofreu a estranha reviravolta.
Escondendo-se na proteção das sombras, Edward esperava que o casal dissesse
algo que pudesse absolvê-lo de dar as costas para o seu dever e se afastar de
Tania, ao menos um pouquinho.
— Tome. Beba — mandou Isabella, estendendo a Marcus uma taça de
vinho. —Você parece estar à beira da morte.
— Uma descrição apropriada — Marcus murmurou e então ingeriu a
bebida. —Você não precisava ter trazido tanto vinho. Acho que só esse gole
será o suficiente.
— O restante é para mim. Bastou dar uma olhada na sua cara e pensei
que eu também ia precisar de um gole.
Isabella ficou satisfeita em vê-lo sorrindo novamente com a
brincadeirinha. Ver Marcus tão abatido preocupava-a. Ele estava acostumado a
ver as sombras e mais ou menos acostumado a ver coisas que ela desconfia
que a fariam desmaiar. Para Marcus sair correndo, tão trêmulo e abalado, era
porque ele tinha visto algo realmente muito assustador. Ela não estava certa
se queria saber o que era, mas então disse a si mesma para não ser tão
covarde. Marcus precisava de uma companhia calma e segura e de um ouvido
disposto a escutar. Ele precisava de alguém com quem pudesse falar
abertamente, honestamente, sem temer que o ouvinte saísse correndo e
gritando noite afora. A necessidade de alguém que pudesse entender, que
fosse capaz de aceitar tais dons sem zombar deles ou temê-los, era uma das
coisas que mantinham os Swan tão unidos como um clã.
Às vezes, um ao outro era tudo que eles tinham.
Ela sentiu uma antiga dor circulando-a e sufocando-a. A culpa pela fuga
da sua mãe não era sua, ela disse para si mesma pela milionésima vez e se
perguntou se um dia iria conseguir superar aquele abandono. Seu pai tentara
esconder a herança, e, embora duvidasse do seu sucesso, o resto da família
ajudou em obediência. Mas uma criancinha não sabe como esconder tais
coisas. A expressão no rosto da sua mãe ao ouvir sobre a morte de um
vizinho, uma morte que tinha ocorrido exatamente como, onde e quando
Isabella tinha contado a ela, só que dois dias antes, ainda tinha o poder de
partir o coração de Isabella quatorze anos depois. A partir daquele dia, sua
mãe começou a ter medo da filha, assim como pouco tempo depois veio temer
o filho mais velho. Quando o dom de Seth surgiu, Renne Swan não
esperou para ver se seus outros dois filhos poderiam também tê-los, mas
simplesmente confiou o filho mais novo, ainda bebê, aos braços do pai e
partiu. Seu pai também nunca conseguiu se recuperar do abandono.
Enquanto compilava as tristes lembranças, Isabella notou que a cor de
Marcus tinha melhorado um pouco e perguntou:
— A casa de Lady Bartleby não está limpa?
— Oh, não, não como a sua está — respondeu Marcus. — Nada perigoso ou
apavorante, porém. Já vi outros em tais eventos. Juro, acho que a música e a
multidão os atraem.
— Sim... acho que também acabaria me sentindo atraída se estivesse
vagando em algum lugar.
— Ainda vai demorar muitos, muitos anos para o seu dia chegar e você
não terá arrependimentos ou negócios inacabados. Você não ficará vagando.
— Aquilo soou como uma ordem, então Isabella assentiu.
— Não foi uma aparição comum que o deixou tão perturbado, foi?
— Não. — Marcus encolheu os ombros e bebeu o resto do vinho.
— Se preferir não falar a respeito... — ela iniciou.
— Se fosse possível, eu preferia esquecer aquilo tudo. Mas não posso.
Acho que está tudo ligado ao motivo que a trouxe para Londres.
— Madame Tania? A que exala um forte odor de rosas?
— E de morte — sussurrou Marcus. Isabella sentiu um calafrio.
— Ela vai morrer em breve? Com certeza não será antes da lua cheia,
não é mesmo? Ainda acho que ela está lá quando ele morre.
— Não. Não foi a morte dela que vi, apesar de o dia de pagar pelos seus
crimes estar próximo. — Marcus balançou a cabeça lentamente. — Acho que
acabei de descobrir mais uma faceta do meu dom. Madame arrasta um grande
grupo. Um grupo de seres enfurecidos que querem vingança, justiça. Ela
parece ignorar completamente a presença deles — ele disse de um modo
pensativo.
— Seres cuja morte ela causou, você acha? Marcus franziu a testa
contemplativo.
— Talvez sim, talvez não. Ela é uma exilada, uma fugitiva da batalha
sangrenta em que a Revolução Francesa se transformou. Podem ser almas
tristes de pessoas que morreram quando ela estava próxima. Talvez ela tenha
sido apanhada em algum massacre furioso, mas conseguiu sobreviver.
— Se fosse isso, você já teria visto almas tristes como essas antes. Você
conhece muitos homens que foram soldados, que estiveram em batalhas. Eles
devem ter estado próximos a mortes abruptas e brutais. Mesmo assim você
diz que nunca viu nada assim antes.
— Não, não vi, realmente nunca. Com certeza não deste gênero. Não
essa massa se contorcendo de fúria e ódio. Uma ou duas almas tristes e
confusas, sim. E também eu já sabia quem elas eram, pois tinha ouvido a
história de um amigo de infância ou de um companheiro amado que morrera
em seus braços. Já vi até um francês, mas ele estava apenas triste e confuso,
como tantos outros.
— Porque aquilo era uma guerra, a morte no campo de batalha, soldado
contra soldado, não assassinato, engodo ou armadilha. E eles tinham morrido
rapidamente, sem nem mesmo saber quem tinha dado o tiro fatal ou enfiado
a espada que os derrubou.
— Oh, maldição, você tem razão. Aí reside à causa de toda aquela raiva e
ódio, os sussurros exigindo um castigo. Ela teve algum envolvimento com as
mortes daquelas pobres almas. Eu não os vi a princípio. Eles apareceram
quando estávamos no meio do salão de baile, o que foi assustador, eu diria.
— Eles sentiram que você podia vê-los, compreendê-los talvez. Quem
sabe há quanto tempo não esperam por uma oportunidade assim. Isso pode
explicar por que a aparição foi tão forte, violenta e perturbadora. Eles estavam
desesperados por alguém, qualquer um, que pudesse ouvir suas súplicas e por
isso avançaram para cima de você daquele modo tão opressor.
— Você parece compreender essas coisas melhor do que eu.
— Esse não é o meu dom. Por isso posso sentar e analisar com tanta
calma. — Isabella tomou um gole do seu vinho. — E você tem razão. Está
tudo ligado ao que eu vi. Ela é uma das pessoas que o ameaça.
— Se o que acabei de ver é a reunião daqueles cujas mortes ela causou,
então a mulher é uma vadia perigosa — Marcus rompeu — e você não vai mais
se aproximar dela.
— Como você foi enfático — ela murmurou. — Mas sinto informar que
não vou obedecer nem ouvir.
— Claro que não. — Marcus soltou um palavrão e passou os dedos entre os
cabelos, desfazendo sua trança apertada. — Se eu tentasse mandá-la de volta
para Coulthurst, provavelmente você daria meia-volta e voltaria para cá na
primeira oportunidade que tivesse. A pé se fosse preciso.
— Sei ser teimosa.
— Mas por quê? Você não conhece esse homem, nunca tinha se
encontrado com Lorde Masen antes desta noite. Esse perigo não é seu ou
de sua responsabilidade. Você poderia me dizer tudo que necessito para
alertar o homem e voltar para casa.
— Tio, já passamos por isso — ela disse carinhosamente. — De um modo
um tanto estranho, conheço esse homem desde que eu era criança. Ele está
em perigo. No momento em que vi aquilo, tudo se tornou minha
responsabilidade. Depois do que você viu, acredito que podemos assumir que
Madame Tania não é uma exilada honesta, apenas alguém que estava
fugindo da sua vida. Lembre-se do que mais concluímos a respeito dela, sobre
a sua escolha de amantes, e verá que a nossa responsabilidade se torna ainda
maior. Não apenas para com o homem, mas, talvez, para com a Inglaterra
também.
— O que diabos vocês dois sabem?!
Isabella olhou para Lorde Masen, surpresa com a súbita intromissão
no que ela pensava ser uma conversa privada. Ele estava um pouco pálido, e
os punhos estavam cerrados nas laterais do corpo. Ele tinha-os seguido, algo
que ela não imaginara, e obviamente tinha ouvido ao menos parte da sua
conversa com Marcus. O olhar desconfiado e irado que ele lançava na direção
deles provavelmente era justificável. Quando ela abriu a boca para responder,
o som de uma risada alertou-a de que alguém estava se aproximando e que
logo haveriam muitos ouvidos por perto para escutarem o que os três
pudessem dizer entres eles.
Masen olhou na direção do som que se aproximava.
— Mais tarde. Encontrem-me dentro de uma hora na minha casa. —
Ele encarou Marcus. — Se não estiver lá, pode ter certeza de que sairei à sua
procura até encontrá-lo.
— Minha nossa — murmurou Isabella enquanto observava Lorde
Masen indo embora. — Vamos obedecer?
— Acho que devemos — respondeu Marcus. — Afinal, ele não perguntou
sobre que diabos estávamos falando ou o que quisemos dizer?
— Ah, não para mim. Ele perguntou o que nós sabíamos. Talvez o
perigo do qual preciso alertá-lo não seja uma surpresa para ele. Será só uma
questão de fazer com que ele acredite em mim.
— Minha querida sobrinha, se aquele homem escutou toda a nossa
conversa, ou estará nos esperando para nos levar direto para um hospício, ou
irá ver o que temos para dizer de um modo positivo e razoável.
— Quero saber tudo o que vocês sabem sobre os Swan. Edward pediu a
Jasper e Emmett enquanto servia uma dose de conhaque para cada um.
— E rápido, pois logo eles estarão aqui.
Edward sentou-se em uma poltrona luxuosa de frente para os dois
amigos. Eles haviam trocado poucas palavras desde que ele os arrastara do
baile da sua prima, levara-os para a sua casa e pedira para que se sentassem na
sua melhor sala. Não tinham nem comentado ainda sobre o modo quase rude
com que ele tinha dispensado Madame Tania, a mulher que supostamente
ele deveria seduzir pelo bem do rei e do país. Ele sabia também que eles
continuariam jogando de acordo com as suas regras por mais um tempo,
confiando que depois poderia explicar tudo. Edward só não tinha certeza se
poderia explicar, se seus amigos conseguiriam entender se ele tentasse ou
mesmo se os Swan conseguiriam esclarecer tudo.
Ele tomou um bom gole do conhaque para acalmar os ânimos, mas não
obteve muito sucesso. Tudo que tinha escutado no jardim fervilhava dentro
da sua mente, apesar das suas tentativas de se esquecer de tudo, menos de
uma coisa: eles sabiam sobre Tania. Ele se considerava um homem que
acreditava na lógica e nos fatos, totalmente livre de superstições, mas as
coisas que os Swan tinham dito despertaram algumas das suas superstições
esquecidas. Pior, ele se dera conta de que estava escutando toda a conversa
como se tudo que eles estavam dizendo não passasse de pura bobagem.
— Como eu disse —Jasper iniciou — os Swan são conhecidos por
serem honrados e por terem palavra. Eles possuem vários títulos, começando
pelo patriarca do clã, o Duque de Elderwood. A sede da família fica no
Castelo Chantiloup, em Cheshire, mas nenhum coloca os pés para fora do
País de Gales. O atual duque é um jovem chamado Alec. Filhos,
primos, sobrinhos e todos os demais acabaram
conquistando seus próprios títulos, desde os mais insignificantes aos mais
importantes. Alguns foram concedidos pela Coroa por serviços prestados, mas
muitos foram conquistados por meio de casamentos, especialmente com
mulheres, oriundas de famílias com títulos, que não tinham filhos varões para
herdar tudo. Nem todos os títulos foram passados apenas por meio dos filhos,
e com um pouco de suborno pode-se obter muitas coisas ou impor muitas
mudanças. Eles também têm muito dinheiro, o suficiente para fazer tais
mudanças. Se não fossem tão reclusos e famosos por serem estranhos, aquela
família provavelmente poderia exercer uma boa dose de poder. Assim como o
outro ramo da família, os Wherlocke.
— Mas por que eles são reclusos e considerados estranhos? — interpelou
Cullen.
— Bem, dizem que eles podem fazer e ver coisas que nós, reles mortais,
não podemos. Tais coisas fizeram com que vários dos ancestrais deles fossem
julgados e executados como bruxos. Eles foram perseguidos durante muito
tempo. Esse pode ser o motivo para a tendência que eles têm de se esconder
do mundo. Os dois lados da família têm historias tristes de esposas e maridos
que se foram e nunca mais voltaram. A última que fez isso foi Lady Renne
Swan, que era, creio eu, a mãe de Lady Isabella. Ela abandonou o marido e
quatro filhos cerca de quatorze ou quinze anos atrás. A mulher se recolheu
em uma pequena propriedade em Sussex com uma tia solteirona e se recusa a
falar do casamento.
— Vez ou outra ela deixa escapar que achava que o marido era
mancomunado com o demônio — completou Emmett. — Eu me lembro de
ouvi-la contando para a minha tia que os Swan são amaldiçoados, que
aquela maldição assinalou seus filhos com a marca do demônio e que por isso
ela teve que fugir para salvar a própria alma. Minha tia disse que a mulher era
temente a Deus. Minha tia ainda a visita vez ou outra quando ela vai até
Sussex para ver o filho que mora lá, mas ela disse que a mulher está piorando
a cada ano. Na última primavera, ela falou dos filhos, mas tia Lily disse que
foram apenas coisas sem sentido e ela acha que a mulher está perdendo a
sanidade.
— Ela disse que coisas foram essas? — perguntou Cullen.
— Um pouco — respondeu Emmett. — Apesar de a tia Lily achar que
tudo não passe de ilusões advindas da culpa por ter abandonado os filhos. A
mulher contou para a minha tia que a filha era capaz de prever a morte, que
com apenas seis anos de idade a menininha tinha descrito em detalhes a
morte de um vizinho dois dias antes de acontecer. Tia Lily disse que quase
acreditou, mas que então a mulher contou que o filho mais velho era capaz de
mover objetos sem erguer um dedo.
— Nada sobre ver fantasmas?
— Não, apesar de ela ter dito algumas coisas sobre o marido e espíritos.
Mas eu insisto tudo isso é de acordo com o que tia Lily me contou. — Emmett
encolheu os ombros, fitando Edward com atenção. — E o tipo de coisa que
dizem sobre os Swan e os Wherlocke. Que eles podem fazer mágica, ler
mentes, prever o futuro, falar com os mortos e assim por diante. Sempre
achei que é assim que as pessoas justificam a reclusão da família.
— Vocês dois acreditam nessas coisas?
— Não desacredito. Mas ao mesmo tempo nunca vi nada que prove ou
desminta tais coisas. Olhe para Lorde Marcus. Jovem, bonito, com um título,
rico e parece ser um bom homem. Por que ele foge da sociedade então? —
Emmett perguntou, e Jasper concordou com um aceno de cabeça.
— Para evitar as mães casamenteiras?
— Possivelmente, mas por que ele não vai a nenhum dos lugares
freqüentados pelos solteiros? Ele é sócio de todos os clubes, mas raramente é
visto em qualquer um deles. Ele tem alguns amigos mais íntimos, isso é
verdade, mas é muito recluso, e não consigo ver nenhum motivo para isso.
Não é gago, não possui nenhuma deformidade, nenhum segredo maléfico e,
não, seu comportamento não é estranho como o do falecido Volturi, assim
como não possui nenhum traço de timidez extrema, insanidade ou algum
medo os Swan, de algum modo, são como Lorde
Uppington. E então, você descobriu o segredo sombrio deles? É por isso que
estamos esperando aqui para confrontá-los? Por que você subitamente se
interessou por eles?
— Eles sabem sobre Tania.
— Impossível — disse Jasper. — Começamos a suspeitar da mulher há
pouco tempo. Como dois reclusos poderiam saber sobre ela?
— Foi exatamente o que pensei — disse Edward —, mas eles sabem.
Supostamente, e se interpretei corretamente o que foi dito, Lady Isabella veio
para Londres para me alertar sobre Madame Tania e a minha vida pode
estar em perigo. Eles sabem sobre os amantes dela e estão desconfiados pelos
homens que ela escolhe para levar para a cama, que ela não é a exilada
inocente e assustada que diz ser e que tem as mãos sujas de sangue.
— Maldição, mas como?
— Aí que está o problema. Pelo que ouvi, tudo o que levamos meses para
descobrir veio para eles através das visões dela e dos fantasmas dele. Seja lá o
que eu pense ou se acredito em tudo o mais que ouvi naquele jardim, uma
coisa é certa,..
— ... Eles sabem muito.
— Exatamente. — Edward ouviu alguém batendo na porta da frente e
ficou tenso. — Mas agora eles poderão explicar tudo. Só espero que não
venham com aquela conversa de visitas espirituais.
Isabella abraçava com força seu bloco de desenho enquanto ela e Marcus
eram conduzidos à elegante sala para encarar Edward e seus dois amigos.
Foram trocados cumprimentos e apresentações, e o tempo todo ela observou
os dois amigos de Lorde Masen. Jasper Halle era um simples barão,
com grandes chances de se tornar um visconde. Era quase da mesma altura de
Marcus e quase tão magro, mesmo assim ela desconfiou que ele fosse um homem
muito forte. Era muito belo também, com olhos azuis, cabelos loiros e um
estilo clássico. Já Emmett Banning era um marquês, da mesma idade e estatura
de Lorde Covington, mas tinha os ombros mais largos, era mais musculoso e
dono de uma beleza surpreendente, com seus cabelos escuros e olhos verdes
profundos.
Em suma, ela estava no meio de uma variada abundância de beleza
masculina, rica e de berço, refletiu sorrindo por dentro ao ocupar o assento
que Lorde Masen lhe ofereceu. As mães casamenteiras seriam capazes de
fazer picadinho dela se descobrissem. Ela ficou um pouco tensa quando Lorde
Masen ocupou o lugar ao seu lado, deixando para Marcus a poltrona ao lado.
— Pelo menos não há homens com correntes, cordas ou coisa do tipo
— ela murmurou para Marcus enquanto o mordomo e um criado serviam chá,
bolos e sucos, que obviamente estavam prontos, só esperando pela chegada
deles.
— Eles podem estar à espreita em outra sala — respondeu Marcus no
mesmo tom.
— Só estamos nós aqui — disse Edward assim que os criados se
retiraram. —Vocês gostariam de algo mais forte do que chá? — Quando
Isabella balançou a cabeça, ele olhou para Marcus.
— Não, obrigado. Faz pouco tempo que bebi algo no jardim. — Marcus
assentiu quando Isabella silenciosamente se ofereceu para lhe servir um
pouco de chá, e então riu da expressão confusa dos outros três homens. — Se
ouviu toda a conversa no jardim, Masen, então irá entender por que
prefiro evitar a bebida. Não me ajudaria em nada perder a minha, digamos,
discrição.
— Por que você pode começar a falar em público sobre os espíritos que
diz ver? — Edward perguntou, amaldiçoando-se intimamente pela pergunta
direta, advinda da curiosidade, da dúvida e, pior, da estranha necessidade de
ser convencido.
— Milorde, nunca insisti que ninguém acreditasse, somente que me
desse o direito de acreditar — respondeu Marcus.
Edward aquiesceu com um aceno de cabeça para a educada colocação,
muito parecida com uma que Isabella tinha lhe dado. Isso o levou a
desconfiar que eles costumassem fazer muito aquilo.
— Você realmente vê os mortos? — perguntou Jasper, ignorando
totalmente o olhar penetrante de Edward — Pode falar com eles?
— Desde a mais tenra idade — respondeu Marcus. — Acho que comecei a
vê-los desde o momento em que nasci, mas quem sabe? Eu não estaria
confessando tais coisas a menos que meu segredo obviamente já tivesse sido
revelado, pelo menos entre os presentes nesta sala.
— Tem algum aqui? Na casa de Masen?
— Sim, mas não nesta sala, e nenhum deles é mau.
— Você pode fazer com que eles apareçam ou que mostrem de algum
modo que estão aqui?
— Não.
— Maldição, Jasper, não os trouxemos aqui para que você peça que
façam truques de salão — Edward rompeu.
— Sempre tive curiosidade sobre tais assuntos — disse Jasper —, apesar
de nunca ter visto uma prova.
— Se visse uma prova, logo acabaria se arrependendo da curiosidade —
Marcus disse num tom de voz sóbrio e sereno e então voltou às atenções para o
chá. — Na verdade, nem estaríamos tendo esta discussão se a conversa entre
eu e Isabella não tivesse sido ouvida. Eu estava muito transtornado para
tomar as precauções de costume. Creio que vocês entendem porque tentamos
guardar o máximo segredo possível sobre tais coisas. A história dos nossos
ancestrais nos ensinou o valor de um segredo.
Edward franziu a testa, fitando os Swan, e então seus amigos, que
não pareciam duvidar tanto quanto ele tinha imaginado. Ele nunca imaginara
que dois homens estudados e inteligentes pudessem ter uma veia
supersticiosa. Em seguida, repensou seus conceitos e chegou à conclusão de
que talvez eles não tivessem tal veia, pois não demonstravam nenhum traço
de inquietude, não como ele. Os dois simplesmente pareciam intrigados.
Edward odiou a ideia de que ele pudesse ser o único que tivesse acabado de
descobrir que tinha um lado supersticioso. No mesmo instante, sufocou seus
anseios e voltou às atenções para os Swan.
— Por enquanto, vamos dizer que todos nós aceitamos os seus, digamos,
dons como um fato — Edward disse, irritado pelo brilho de diversão que
havia nos olhos dos Swan. —Apenas conte como e quando vocês ficaram
sabendo tanto sobre Madame Tania des Rouches.
— Eu devo começar — disse Isabella —, pois fui quem iniciou tudo e
arrastei Marcus comigo, milorde.
— Só uma sugestão antes de continuarmos. Creio que teremos uma longa
conversa, portanto, vamos deixar de lado cerimônias e esqueçamos os títulos?
Estamos em quatro lordes aqui. Acredito que o uso dos nossos nomes de
batismo facilitará muito.
— Como desejar — Isabella disse, após um leve menear de cabeça de
Marcus e dos outros. — Tive uma visão, quatro dias atrás. — Ela notou que
Edward pareceu aborrecido, mas seus amigos simplesmente pareciam
curiosos. — E na visão notei o senhor saindo de uma casa elegante. Havia
grifos malfeitos na base dos degraus da entrada. Pude sentir o perfume de
rosas, e o senhor parecia, bem, satisfeito. — Edward pareceu ainda mais
irritado, mas seus amigos apenas sorriram. — Então o senhor foi abordado e
carregado para dentro de uma enorme carruagem preta. O que se seguiu foi
um tanto alarmante. Uma avalanche de imagens rápidas e intensas. Havia
muita dor. Tortura, eu acho. Cinco homens tentavam fazer com que o senhor
contasse a eles seus segredos. Então uma pressa súbita surgiu entre eles,
seguida pela sua morte. Cortaram a sua garganta — ela sussurrou e então
respirou fundo para se acalmar. — A princípio não consegui entender por que
eles o mataram se o senhor ainda não tinha contado o que eles queriam saber,
mas agora acredito que a pressa que senti significava que eles estavam com
medo de serem descobertos.
— Isso faz sentido — disse Jasper.
— Nada disso faz sentido — crispou Cullen. — Como pôde ter uma
visão sobre mim, Isabella? Nunca nos vimos antes desta noite.
— É verdade, mas eu o conheço de um modo peculiar.
— Por que será que isso não me surpreende?
Ela ignorou o comentário e entregou a ele o seu bloco de desenho onde
estavam registradas todas as visões que tivera com ele. Havia outros desenhos
lá, pois, vez ou outra, ela acabava apanhando o caderno errado enquanto
ainda estava presa nas garras da agitação e da confusão, como muitas vezes
ficava após uma de suas visões. Esta era, no entanto, a única coisa que ela
poderia mostrar para ele na esperança de que aquilo fosse o suficiente para
fazer com que ele levasse o seu alerta a sério.
— Venho tendo visões com o senhor há muito tempo, desde os meus
cinco anos de idade. — Ela observou os amigos de Edward aproximando-se
para dar uma olhada nos desenhos quando Edward murmurou um palavrão e
ficou pálido. — É por isso que eu lhe entreguei o meu bloco de desenhos.
Bem, a maioria são desenhos seus. Algumas vezes apanhei o bloco errado
enquanto ainda estava confusa após uma visão. Não o vejo o tempo todo, mas
o vi pelo menos uma vez ao ano, ao longo dos últimos quinze anos. Às vezes
era uma visão forte ou simplesmente uma espiada. Ocasionalmente foram
sonhos. Houve algumas ocasiões em que simplesmente, bem, tive sensações.
Não invadi a sua privacidade de propósito, Cullen. Sinceramente, não.
Ocorreu-me que, talvez, todas essas visões ligeiras do senhor aconteceram
para me conduzir a este alerta em especifico. — Ela esperou por uma reação;
estava tão tensa que ficou surpresa por não ter ouvido um ou dois ossos
estalando sob a pressão.
Edward fitou os desenhos enquanto folheava o bloco, lendo as
anotações que ela tinha feito em cada uma das páginas. Ela tinha um
verdadeiro talento: seus desenhos eram claros, precisos e repletos de emoção.
Foi fácil perceber como o talento nato foi se aperfeiçoando com o tempo. As
anotações revelavam que ela tinha um raciocínio lógico e preciso. Ele
desconfiou que mais tarde fosse capaz de apreciar melhor aquilo, pois,
naquele momento, seu sangue corria frio nas veias.
Ele se lembrou com facilidade de cada uma das passagens representadas
nos desenhos. Lá estava ele diante do túmulo da sua mãe, do seu pai, do seu
irmão, da sua irmã e de seu melhor amigo. Lá estava ele no duelo que tinha
enfrentado por aquela mulherzinha infiel, Lorhen. Isabella tinha dado uma
espiada nos momentos mais importantes da sua vida, e ele não sabia se se
sentia invadido ou apavorado. Depois de dar uma olhada em toda a coleção,
ele voltou para o desenho que mais tinha chamado atenção em meio ao seu
estado de torpor e analisou-o. Quando se deu conta de por que o simples
desenho dele olhando para o fogo tinha chamado tanto a sua atenção, ele
fechou abruptamente o bloco e olhou para ela.
— Seus olhos — ele sussurrou, sentindo-se tão hesitante que, por uma
fração de segundo, ele temeu que fosse desmaiar como se fosse uma donzela.
— Como? — ela perguntou, desejando que ele não aparentasse estar tão
mal. Não era um bom agouro e indicou que as suas chances de fazer com que
ele a escutasse não eram muitas.
— O desenho onde estou parado olhando para a lareira, com um copo
de bebida na mão. Agora sei por que tive a sensação de que a conhecia
quando fomos apresentados, ou, pelo menos, acho que seus olhos
naquela noite. Mas achei que tivesse bebido muito. — Ele devolveu o bloco
para ela. — Gostaria de poder usar a mesma desculpa agora. Eu me considero
um homem que acredita na lógica e na ciência. Este tipo de coisa não faz
parte da lógica. Fantasmas não existem.
— Não? O senhor por acaso não acredita na alma, no espírito que deixa
o corpo para ir para o céu ou para o inferno depois que uma pessoa morre?
— Bem, sim, mas...
— Então, se existe uma alma ou espírito, por que não ele não pode vagar
perdido quando a morte chega inesperadamente, muito cedo ou de uma
maneira muito violenta? Por que ele não pode ficar confuso ou talvez
precisando terminar algo ou em busca de justiça por algo que foi feito de
errado contra ele? E, uma vez que aceita que existe uma alma ou um espírito,
por que seria tão absurdo que alguma pessoa pudesse vê-lo?
— Você já deve ter usado este mesmo argumento várias vezes.
— Muitas, muitas vezes.
— Mas como consegue fazer com que as visões soem tão lógicas?
— Simplesmente possuo uma intuição mais afiada do que a da maioria.
— Ela quase sorriu diante do olhar sarcástico que ele lançou. — Não tenho
nenhuma explicação lógica ou científica para o meu dom. Ele é como é.Tem
estado comigo por toda a minha vida. Não consigo me livrar dele e, às vezes,
não consigo nem mesmo controlá-lo. Prefiro vê-lo como um dom,
inconveniente, às vezes irritante, e ocasionalmente assustador, mas, mesmo
assim, um dom. Uma vez que me foi concedido, sinto que é meu dever prestar
atenção a ele. E ele me disse que o senhor será raptado, torturado e
assassinado. Pelo pouco que descobri nesta noite, ainda acredito no que eu vi.
Uma vez que, desconfio, o senhor deve saber muito mais do que nós, imagino
que devesse, ao menos, considerar a possibilidade de que estou certa. Se não
acreditar, não importa. Se não fizer nada, mesmo assim ainda é minha
responsabilidade tentar assegurar que a minha visão não se torne uma
profecia correta.
— Faz sentido para mim — disse Jasper enquanto ele e Emmett
retomavam seus assentos.
— Vocês acreditam em tudo isso? — perguntou Cullen, surpreso com
a facilidade com que seus amigos aceitaram as visões.
— Sim. E, mesmo que eu duvide, ela tem razã que sabemos
adiciona ainda mais peso ao aviso dado, independentemente de como ela
tenha ficado sabendo da ameaça.
— Os fantasmas?
— Ah, eu acredito... e não. Na verdade, não quero acreditar. Mas, mais
uma vez, tenho de concordar com o que Isabella disse sobre almas e espíritos.
Existem muitas coisas em que acreditamos, mas das quais não temos provas,
coisas que podem desafiar a lógica. Deus, Satanás, anjos, alma, céu e inferno.
Nunca vi nenhuma prova disso tudo, mas acredito. E, como foi dito por
Shakespeare em Heinilet: "Há mais coisas entre o céu e a Terra, Horácio, do
que sonha a tua vã filosofia". — Jasper franziu a testa para Marcus. — Ouvi dizer
que a alma das pessoas costuma permanecer no lugar onde ela morreu.
Marcus assentiu.
— É verdade para a maioria, por isso existem tantos castelos e
masmorras assombrados. Alguns, porém, se apegam a uma pessoa em vez de a
um lugar. Alguns parecem surgir apenas para uma visita, quando os laços do
afeto são muito fortes para que a morte consiga rompê-los completamente.
Apesar de Edward não estar disposto a ter esse tipo de discussão, ele
não pôde resistir e perguntou:
— Você não viu entes queridos ao redor de Tania, viu?
— Não. Vi fúria, ódio e uma necessidade de justiça — respondeu Marcus.
— Na verdade, ouvi sussurros exigindo punição. Imaginei que ela
simplesmente estava muito próxima quando aquelas pessoas morreram, mas,
não, ela tinha as mãos sujas de sangue. Do sangue deles.
— Você acha que ela é culpada de assassinato?
— Não com as próprias mãos, mas ela teve uma grande participação no
ato. Ela pode até ter estado perto quando isso foi feito. — Marcus olhou para
Isabella. — Apesar de você não ter mencionado uma mulher na sua visão.
— Não, eu não vi nenhuma mulher — respondeu Isabella —, mas no
final senti o perfume de rosas.
— Mas você não a viu entrando na carruagem, viu? — perguntou
Cullen, em parte surpreso por estar falando com ela como se a conversa
sobre visões fosse perfeitamente aceitável, confiável, até mesmo razoável.
— Não, mas isso não significa que ela não foi ao lugar para onde o
senhor foi levado — Isabella respondeu. — Não me foi mostrado que ela
estava lá, não ouvi a voz dela, mas havia um forte odor de rosas. Isso pode
significar muitas coisas. Para mim significa que ela participou do crime que
foi cometido contra a sua pessoa, e, depois do que Marcus viu, realmente
acredito que ela esteja envolvida. No entanto, isso poderia significar apenas
que havia rosas próximas ao lugar para onde o senhor foi levado, ou que pode
ser um aviso duplo de que a sua presença na casa dela pode conduzi-lo ao
perigo. Pode também significar somente que o odor de rosas que surgiu no
começo era muito forte e que ficou pairando no ar durante toda a visão. —
Ela olhou para cada um dos três homens. — Mas creio que os senhores
acreditem que ela seja capaz de cometer um assassinato.
— Desconfiamos que ela não seja quem diz ser — respondeu Cullen.
Em seguida, hesitou por um momento e então concluiu que, entre as
garantias de Jasper de que os Swan eram dignos de confiança e tudo que
eles já tinham descoberto, não fazia muito sentido continuar hesitante ou
reticente. — Ela escolhe os amantes a dedo, são sempre homens que podem
lhe dar informações que o governo preferiria manter em segredo. Homens
têm morrido, homens que imaginávamos estarem em segurança e não fossem
conhecidos pelo inimigo. E apenas um palpite, mas ela pode ser a responsável
por algumas mortes na França de pessoas que deveriam estar em segurança ou
que deveriam ter escapado. Vários planos de fuga muito bem planejados
foram frustrados, pessoas foram mortas, e ela sempre estava por perto.
— Os espíritos raivosos, Marcus — Isabella disse para o tio.
— Sim, sem sombra de dúvida — Marcus respondeu. — E a irmã de
Tania também não é inocente.
— Você viu espíritos ao redor dela também? — perguntou Jasper.
— Não, mas — Marcus sorriu — ela é muito fria, fria até os ossos. Tive um
romance passageiro com aquela mulher. Depois que meu desejo cego foi
saciado, senti a frieza, o vazio, e não pude mais continuar ao lado dela. — Ele
soltou um leve sorriso diante das fisionomias confusas e de dúvida que
surgiram nos rosto dos outros três homens. — Não tenho o dom de ver ou
saber o que uma pessoa pensa ou sente, mas posso sentir a proximidade da
morte. Victoria não está prestes a morrer, mesmo assim sinto algo parecido
nela, um vazio arrepiante, como se parte dela tivesse morrido ou seu espírito
tivesse a abandonado.
— A consciência, por exemplo?
— Possivelmente. Se ela foi responsável por alguma morte, àqueles que
morrem podem não ter desconfiado dela. Ela pode ter simplesmente ajudado
a irmã de algum modo. O que sinto, porém, é a crueldade arrepiante de um
assassino. Ela pode até não ter matado com as próprias mãos, mas ela não
hesitou nem hesitará para fazer o que tiver de ser feito nem se importará com
quem é morto. Ou como...
Isabella pôde perceber que Edward estava ficando desconfortável com a
conversa, e uma pontada de tristeza atingiu seu coração. Depois de vê-lo em
suas visões e sonhos por tantos anos, ela obviamente nutria a esperança de
que ele seria aquele que entenderia, que iria acreditar nela, e não a temer,
como seu falecido marido. Apesar do fato de ter visto os olhos dela na mesma
noite em que ela o vira parado diante da lareira, ele ainda teimava em não
acreditar. O encontro se estendeu por meia hora mais apenas, e, depois de
combinarem outra reunião, ela se foi com Marcus.
— Acho que eles começaram a acreditar em nós — Isabella disse
enquanto a carruagem de Marcus seguia pelas movimentadas ruas de Londres.
— Aparentemente — concordou Marcus —, mas Edward não quis
acreditar. Não havia como negar as provas que você tinha naquele bloco de
desenho, mas Edward lutou com todas as forças para negar. Jasper e Emmett
acreditam, disso tenho certeza.
— Os dois são muito curiosos, e isso provavelmente os torna mais
abertos para aceitarem novas ideias, mais preparados para aceitarem coisas
estranhas sem medo ou a sensação de que o seu dom e o meu
há muito intrigam Jasper.
— É verdade. É claro, nenhum deles conheceu Alec. A tolerância
com que nos deparamos nesta noite poderia ter desaparecido facilmente
diante de alguém com um dom como aquele.
— Infelizmente isso ocorre até mesmo entre os membros da nossa
própria família. O dom dele tende a deixar as pessoas desconfortáveis. O que
você acha que eles farão em seguida?
— Não faço ideia. A única certeza que tenho é que eles não pensam mais
que estamos do lado do inimigo.
— Por enquanto, suponho que seja o suficiente — Isabella murmurou e
sufocou com afinco a parte de si que queria mais, muito mais, daquele certo
homem com olhar dourado.
— Vocês acreditaram naquilo tudo? — Edward perguntou aos amigos
assim que teve certeza de que os Swan tinham partido.
— Sim — respondeu Emmett, e Jasper concordou com um aceno de
cabeça.
— Maldição, não podemos aceitar aquela conversa sobre espíritos e
visões. Afinal somos ou não homens cultos e que acreditam na lógica e na
ciência?
— Claro que somos, mas que diferença faz? — perguntou Jasper. — Você
não viu nenhuma lógica no que Lady Isabella disse quando ela explicou,
defendeu até, tais dons? E quanto ao fato de você ter visto os olhos dela na
sua lareira na mesma noite em que ela o viu na lareira dela?
— Ela simplesmente tem prática em arrumar explicações lógicas para
coisas que não tem lógica. Quanto ao fogo, aos olhos e tudo o mais, tenho
certeza de que deve haver uma explicação lógica para aquilo também.
— Que é essa, Cullen: há muitas coisas que aceitamos como verdadeiras
e que não têm nenhuma ló nós acreditamos na intuição de um
companheiro soldado, até mesmo na crença profética quando o soldado diz
que não acredita que vai conseguir sobreviver à determinada batalha.
— Ela disse a mesma coisa — Edward murmurou. Jasper ignorou e
continuou.
— Todos nós já tivemos nossos momentos de intuição cega, uma
sensação sobre algo ou alguém, e aceitamos sem questionar, ou quase. E quem
de nós, em algum momento, já não sentiu um calafrio, uma sensação de
desconfiança, até mesmo medo, de que de repente não estávamos sozinhos?
Por que é tão difícil acreditar que algumas pessoas podem ter os sentidos mais
aguçados para tais coisas, um verdadeiro dom de ver ou saber de algo que não
podemos?
— Por isso ser estranho, talvez? — Edward falou de modo arrastado e se
deu conta de que concordava com a opinião dos amigos.
— Muito estranho mesmo. No entanto, não se pode negar a verdade do
bloco de desenhos dela. Nem se pode dizer que os Swan estão interessados
em arrancar dinheiro de alguém. Eu certamente teria cautela em ir a certos
lugares ou aceitar certas pessoas como amigo se tivesse sido sobrecarregado
com um dom.
— Vocês não veem o valor que tais dons teriam no nosso mundo? —
indagou Emmett.
Os três se entreolharam e então ficaram pensativos. Era muito fácil
reconhecer o valor de tais dons. Mas Edward desconfiava que eles seriam
tomados como loucos caso apresentassem a idéia para seus superiores.
— Marcus disse que ele não tinha o dom de saber o que alguém estava
pensando ou sentindo — murmurou Emmett. — O que me faz pensar se
alguém daquele clã possui tal habilidade.
— Maldição, imagine o que poderíamos fazer com esse dom! — Jasper
balançou a cabeça e então olhou para Cullen. — É isso que você pretende
fazer? Usá-los? É por isso que vamos nos encontrar com eles novamente?
— Sim. — Edward passou os dedos entre os cabelos, desarrumando-os.
— Posso estar indeciso quanto ao modo como eles ficaram sabendo
tanto sobre aquelas duas irmãs malditas, mas o fato é que eles sabem muito. E
podem descobrir mais. Neste exato momento, eu aceitaria qualquer coisa, até
mesmo um ritual pagão sob a lua cheia, se isso impedisse o assassinato.
Beijos e até