Capítulo 02 – Medo contra determinação

– Peeta... – a voz soava como um eco distante. O loiro preferia ignorar o chamado, e continuar perdido em suas lembranças. – Seu preguiçoso! Levanta de uma vez antes que eu lhe jogue nessa cachoeira!

O rapaz levantou de uma vez, sem nem ao menos abrir os olhos e como consequência, bateu a cabeça na pessoa que o chamava.

– Dez anos e você está cada dia mais tonto! – o homem resmungou massageando a testa.

– Desculpe-me – Peeta pediu sem graça. – A cada dia esse treinamento me esgota mais.

– Você quer dominar a luta com espada, não quer? – Haymitch Abernathy perguntou severamente. – Tem que treinar com mais seriedade para isso.

– Eu não sei se quero mais dominar todas as técnicas – Peeta falou balançando os ombros.

– Não quer recuperar o trono? – Haymitch perguntou com as sobrancelhas arqueadas. – Você tem o direito de...

– Já discutimos isso diversas vezes, Haymitch – Peeta disse sem conter um suspiro de cansaço. – Não há mais nada para mim na Capital.

– O seu povo precisa de você – Haymitch disse sério. – Dizem que a cidade está destruída, não há comida, a água foi contaminada. O que seu pai diria se soubesse que você está negando ajuda ao povo? E se lá está assim, imagine a situação dos distritos.

– Eu procuro não pensar nisso! – Peeta disse irritado. – Meu pai morreu por causa da minha irresponsabilidade, e eu, como nunca ouvi suas ordens, provavelmente seria um péssimo rei!

– Realmente seria – Haymitch concordou fazendo com que Peeta revirasse os olhos, enquanto murmurava um "Obrigado pelo apoio". – Quando o encontrei há dez anos, já sabia da sua reputação de príncipe mimado, mas mesmo assim, o criei como se fosse um filho e tinha esperanças de que mudaria, mas pelo visto seu egoísmo só aumentou com o passar do tempo.

– Isso não tem nada a ver com egoísmo! – Peeta retrucou exasperado. – Confesso que eu realmente era muito mimado, mas eu vi meu pai morrer na minha frente e por minha causa. Isso me fez mudar.

– Não é o que parece – Haymitch disse com desdém. Ele se sentou, largou a espada de um lado, enquanto pegava a garrafa de uísque que carregava. – Vamos encerrar o treino por aqui então.

Peeta estava cansado, mas toda aquela conversa o deixara agitado demais. Ficou andando de um lado para o outro enquanto Haymitch continuava a se deliciar com o uísque. Levou a mão até ao bolso das vestes e tirou uma pulseira com aspecto de ser muito antiga. Ele a levantou um pouco e olhou para as inscrições que havia nela.

...Peeta Mellark...

O nome estava quase desaparecendo. Peeta a cada dia tinha mais certeza de que aquele "Peeta" realmente havia ficado no passado, desaparecido junto com o pai naquela noite há dez anos. Às vezes ele até tentava esquecer o que havia acontecido, mas era impossível, aquela cicatriz em seu rosto sempre o lembrava, o fazia sofrer, se sentir culpado.

Inconscientemente Peeta levou a mão até a cicatriz. Havia ficado apenas com aquela marca no rosto, uma linha fina, mas que carregava uma história de dor e arrependimento e o seu pai, em compensação, perdera a vida.

– Já está se lamentando novamente? – Haymitch perguntou notando a melancolia do rapaz.

– Enquanto eu estava desmaiado, sonhei com a noite em que meu pai morreu – Peeta disse lentamente. – Eu nunca consigo ter um sono tranquilo, sempre essa noite zanza na minha cabeça. E eu fico pensando o que teria sido de mim se não tivesse fugido.

– Possivelmente o seu tio teria te matado – Haymitch falou balançando os ombros levemente.

– Tio? Snow não pode ser considerado meu tio – Peeta retrucou com raiva. – Ele deve achar que estou morto.

– Bem possível – Haymitch disse em um tom frio, só não iria reclamar com o tom pelo que o discípulo falava, porque sabia o quanto ele odiava o tio. – Moramos em um lugar esquecido por Deus e quando perguntam porque seu nome é o mesmo que o do príncipe sempre dei a desculpa que a sua mãe quis homenagear o príncipe e por isso o nomeou com o mesmo nome que ele. Ninguém sabe como o príncipe era fisicamente já que ele nunca saia do palácio então a mentira se sustenta.

– É, realmente só tenho a agradecer o que você fez por mim – Peeta disse sorrindo. Além de acolhê-lo e ensiná-lo a lutar, Haymitch havia ajudado Peeta para que ele conseguisse ser aceito como aprendiz na padaria do distrito e o jovem havia aprendido o oficio. Mas Peeta sabia que seu lugar não era na cozinha, por mais que ele gostasse do lugar.

– Então pode começar a agradecer agora indo até a Capital comprar uma garrafa de uísque, daquelas bem caras que só vendem por lá – o homem falou antes que tomar o último gole da garrafa que tinha nas mãos. Peeta revirou os olhos enquanto pensava se o homem seria capaz de pensar em alguma coisa que não fosse bebida.

– Eu não vou até a Capital apenas para comprar uma garrafa de uísque – Peeta disse emburrado.

– Ah, mas vai sim – Haymitch disse levantando-se. – Ou vai ou fica ao relento aqui fora.

– Mas, por que tenho que ir até a Capital? – Peeta perguntou desanimado. – Tenho que pegar um navio e um trem para chegar lá.

– Vá andando então – Haymitch falou com um sorriso sarcástico – Porque esse "lengalenga" só aumenta minha sede

– O Distrito 08 é mais perto e tem os mesmos uísques – Peeta disse exasperado.

– Por que esse desespero todo? – Haymitch perguntou erguendo a sobrancelha. – Não é a primeira vez que vai a Capital desde a morte do seu pai. Eu quero que você compre o uísque na Capital e está resolvido – ele acrescentou entrando na casa e batendo a porta. – Ah, e eu vou saber se você não for até lá – Haymitch disse abrindo a porta e fechando-a logo em seguida.

Peeta cruzou os braços emitindo um som de desagrado. Tinha Haymitch como um segundo pai... Ele o encontrou ferido nas ruas da Capital, e o criou por todos aqueles anos, além do mais, o ensinou a lutar com a espada. O rapaz era muito agradecido a ele, mas às vezes era difícil aguentar o gênio forte do mestre.

O pior é que sabia que a garrafa de uísque não era o motivo pelo qual estava sendo enviado a Capital. Haymitch devia estar querendo que Peeta visse como estava a cidade sob o domínio de Snow. Fazia mais de três anos que Peeta havia ido a cidade, e mal passou das primeiras casas, uma vez que fora apenas encomendar uma espada com a a lâmina cega. Uma espada apenas para ferir, não para matar, assim como pai teria feito.

"Agora não tenho opção. É a última parte do meu treinamento e terei que cumprir", Peeta pensou balançando levemente a cabeça. "Irei provar a ele que aprendi as lições que Haymitch, mesmo que para isso tenha que voltar o lugar onde mais sofri, terei que transformar meu medo em determinação!".