Eu não conseguia parar de pensar naquela parábola bíblica. A volta do filho pródigo. O rapaz sai de casa, festeja, gasta todo o dinheiro que tem e, ao retornar arrependido, é perdoado pelo pai.

Assim como o rapaz, eu também estava voltando para casa, mas nossas circunstâncias em nada se assemelhavam. Não gastei todo o dinheiro que tinha, afinal, eu não tive o que gastar. Fui deserdada quando escolhi morar em Londres. Não voltava arrependida e, tenho certeza, não seria recebida de braços abertos. Provavelmente, mamãe fingiria que eu não passava de uma mosca. Bem típico dela. Porque, sim, tenho certeza que meus seis anos de ausência não perderam nenhuma mudança em seu caráter. Não após receber o bilhete dela anexado ao convite de casamento da minha irmã. Estava escrito "não venha".

Ela não me conhecia. Sè conhecesse, saberia que isso me daria motivação necessária para ir.

Estava dando a última aula para minha turma de violino quando Marlene chegou, segurando sacola de compras nas mãos, com um envelope na boca. Decobri que Petúnia iria se casar com último namorado, Vernon, dali três meses. E ela exigia minha presença, sim, porque era o que estava escrito. Pensei em recusar, juro que pensei, mas Marlene e Tonks não me deram escolha. Disseram-me algo sobre fantasmas do passado, família, perdão e mais um monte de palavras que não processei. Porém, Tonks me convenceu ao dizer que Túnia sempre esteve do meu lado, apoiando-me e, de vez em quando, me enviando um pouco de dinheiro. E ela era minha irmã. Foi o suficiente, ela percebeu, Tonks tinha dom para psicologia.

Logo, aqui estava eu, indo de táxi, após um breve voo, para a antiga, conservadora e hipócrita Hogsmead. O lugar que sempre foi meu pesadelo. Ela fora fundada por Godric Griffyndor, um banqueiro de Londres que precisava de um lugar pacífico para morar, assim, ao invés de ir para Bath, com seus então banhos termais, ele decidiu fundar tal lugar. Com cem anos, Hogsmead tinha cerca de vinte e cinco mil habitantes, dentre eles, dois shoppings, um cinema e uma biblioteca - graças a Deus - decente. Era realmente raro alguém sair de lá. Digo, para morar. Afinal, quem não gostaria de viver em uma cidade na qual todos cuidam da sua vida e escolhem o que você deve fazer? Havia uns pucos que planejavam sair também, assim como eu, mas eles nunca foram. Não, "eles" tinham quem os prendesse por lá. Eu não. Por um breve momento sim, mas depois, e hoje agradeço, nada mais me prendia.

Mamãe me deserdou porque eu estava estragando seus planos de um futuro brilhante que envolviam a mim e Amus Diggory. Como se isso tivesse alguma chance de acontecer. Eu faria faculdade ali perto, casaria-me com Amus, um jovem bonito e respeitável - e rico - e teria dois filhos e um cachorro. Eu sempre tive ciência de que ela tentaria direcionar minha vida, mas quando percebi que ela queria governá-la, tive que partir. Tuney chorou por uma semana, apelando para que eu ficasse, mas papai... Papai não disse nada, porém eu podia ver seu leve sorriso de canto. Eu conseguiria fazer algo que ele sempre planejou: fugir de Andrea Evans. Devo ressaltar, no entanto, que na minha pressa de partir, esqueci-me de que não tinha contatos em Londres. Tinha dinheiro para uma semana em um apartamento nada respeitável, graças a papai, e arrumei um emprego logo na primeira semana como garçonete do Bar do Joe, que ficava perto da faculdade. Ah, sim, em relação ao curso, mamãe concordava comigo, embora por motivos diferentes. Ela dizia que meu marido não deveria se sentir inferior a mim ou o casamento não daria certo. Fiz música, no entanto, porque sempre foi minha paixão. Desde pequena. Eu não era nenhum Mozart, não compus aos cinco anos, mas aprendi meu primeiro instrumento a partir dos dois anos. O violino. Logo vieram o violoncelo, o violão, flauta, piano, bateria e, na faculdade, saxofone e berimbau. Eu era muito boa em apenas três, entretanto, o violino, o piano e o saxofone.

Observei a paisagem que se desenrolava. Eu estava perto. Sentia meu coração acelerar e minha boca secando só de pensar no que me aguardava. A única atração da cidade, ao meu ver, eram os bosques. Eles sempre foram misteriosos, como se escondessem segredos milenares. Emmeline dizia que lá viviam bruxas, mas eu nunca dei bola para tal rumor. Desde pequena eu era muito racional. Nunca acreditei em papai noel ou coelhinho da páscoa, a contrário de Tuney, que até os dozes anos enchia suas meias de doces para que o velho noel não passasse fome. Como se balas pudessem saciar a fome de alguém! Emmeline também era muito crédula e, sim, amável, doce, meiga. Apesar de se parecer mais com Tuney, era minha mehor amiga. A única também. Nós éramos grudadas, embora não estivéssemos mais assim quando fui embora. Ela começou a namorar no último ano do colégio e isso acabou nos afastando. Devido a isso e à quem ela estava namorando.

Engoli em seco, sentindo os olhos úmidos. Era por isso que eu nunca cogitei voltar a este fim de mundo, muitas lembranças, a maioria não tão boa.

_Pode parar aqui, senhor.

Paguei o motorista, pegando minha única mala - deixei as outras em casa, ação feita às surdinas porque Lene surtaria -e caminhando ao redor do parque. Sempre foi o meu ugar favorito. O parque era velho e a maioria das pessoas preferia ir àquele que ficava no centro da cidade, mas não eu. Adorava o único brinquedo que tinha ali, o balanço vermelho, que agora estava... Azul? Será que mais alguém via naquele parque um refúgio, quase um santuário? Estreitei os olhos. Havia um garotinho, de costas para mim, que brincava na terra. Não havia nenhum adulto com ele. Bom Deus, os pais dessa criança eram completamente irresponsáveis! Tudo bem, a cidade nem era tão grande e ainda não anoitecera, mas sempre é bom precavir. Praguejei, aproximando-me do menininho. Eu não poderia dar as costas, certo? Minha consciência iria pesar.

_Com licença, garot...

No momento em que ele se virou, senti meu corpo gelar.

Aquele era James Potter.

James Estúpido Arrogante Atraente Potter. O cara que me chamou para sair por dois anos sem desistir, embora eu fosse bem cruel nos modos de recusá-lo. Mas, Potter deveria ter a minha idade e não cinco anos!

E se fosse encantamento? Será que realmente havia bruxas no bosque enquanto eu dizia que aquilo era besteira?

_Você está bem, moça?

Meu Deus! Até óculos ele usava.

_James, o que houve?

Estiquei meu braço, ignorando a expressão confusa de Potter, na intenção de tocá-lo, ver se o que eu via era real.

_Hey, garoto, achei o sorveteiro... Quem... Lily? Lily Evans? O que você ta fazendo?

Sirius Black parecia surpreso.

Não processei na hora, mas agora declaro, os anos foram bons para Sirius Black. Quero dizer, quem não sabia que ele ficaria ainda mais gostoso quando amadurecesse? O cabelo descendo até os ombros, os olhos cinzas, a expressão adulta, a barba por fazer. Ele deveria estar fazendo ainda mais estragos, se é que fosse possível.

_Pare de assustar o Harry, Evans.

Trouxe meu braço de volta. Harry? Deram outro nome a James quando ele voltou a ser criança porque isso é claramento rid...

Oh. Eu sou muito estúpida mesmo.

Santo Senhor, James tem um filho... Tapei os olhos. Quem era a louca que aceitou carregar, por nove meses, um filho do encapetado? Essa mulher, admito, era uma guerreira.

Potter estava casado? Alguém conseguiu esse feito? Quem seria? Jamie, Lully, Sara, Peyton... ?

_Desfaça essa cara, Evans, agora está me assustando.

Lancei um olhar irritado a Black. Pelo visto, ele ainda era um cretino.

_Olá, Black.

Ele se aproximou, com Harry atrás, grudado em sua camisa azul que o deixava ainda mais bonito. Talvez eu tivesse assustado o garoto. Sim, eu o assustei.

_É bom revê-la, Evans. Você está ainda mais bonita.

_Poupe-me.

_Mas continua com o mesmo bom humor.

_E você ainda é... - parei de falar. Aquele pobre garoto já devia ouvir palavras obscenas o suficiente com Black e Potter por perto - foi "ótimo" ver você, Black, mas tenho que ir.

Acenei rapidamente, embora nenhum dos dois retribuisse o meu gesto.

_A gente se vê por aí, Evans.

Não se eu puder evitar, meu caro. Sei muito bem que Black não anda sozinho. Ele e Potter são como siameses.

Afastei-me dali a passos largos, mas consegui escutar as palavras da cria do encapetado.

_Tio Sirius, ela achou que eu fosse o papai.

Arregalei os olhos, ouvindo a risada - que mais parecia um latido - de Black. Eu estava tão ferrada! Nunca mais poderia encontrá-los, teria que me trancar no meu antigo quarto e só sair no dia do casamento. Bom Deus, Potter precisava ter criado um moleque tão fofoqueiro?

Quando cheguei em frente à minha antiga casa, recuei. Eu estava mesmo fazendo aquilo. Depois de seis anos, iria encontrar meus pais. Senti minha barriga se contorcer e uma brisa gélida, como se pressentisse que minha vida correria sério perigo a partir daquele momento, envolveu-me.

Não, eu não podia fazer isso. Virei-me, pegando o celular e pronta para chamar por um taxista.

_Lily!

Virei-me, assustada.

Petúnia corria em minha direção, sorrindo. E atrás dela, mamãe parecia querer me matar.

É bom estar em casa.