Chermont City

Em frente à Delegacia de Polícia, Jack Kibato era visto assumindo uma das viaturas. O próprio delegado local deixava o prédio de comando dos cadetes na cidade e rumava para uma captura. A cena tão atípica fazia os moradores daquela cidade pararem suas atividades e se perderem mirando a intensa movimentação. Com sirenes quebrando o silêncio, quatro viaturas desapareciam rua abaixo, acompanhadas por motos que abriam o caminho mais a frente. Até mesmo um pequeno Tyrogue saía de um beco para descobrir o motivo de tanta agitação, sendo somente mais um a permanecer curioso.

Em uma janela no sétimo andar do prédio que ficava na esquina da rua Mesprit com a avenida Capitão Sakamoto, exatamente cinco andares do apartamento ocupado pelo delegado, um homem acompanhava as viaturas até elas sumirem de sua vista. Diferente dos outros, sabia para onde elas se dirigiam: diretamente para o fogo perto da loja de brinquedos e diretamente para onde eles queriam que os cadetes fossem.

- Não é bom ficar tanto tempo na janela. Taillow não é um dos Pokémon da organização a toa.

Ao olhar para trás, o homem que antes fugia pela cidade mirou o estranho que lhe salvara. O estranho ainda estava ferido e não havia se apresentado, mas forjara todo plano para que o criminoso responsável pela morte de seus filhos fosse pego. Usara inclusive de recursos que o outro nunca sonharia em usar, como uma ligação para os cadetes se entregando...

No prédio em chamas, havia uma carta guardada na geladeira junto com uma camisa do outro. Certamente os detetives a achariam e o recado seria dado. No pequeno papel, um simples recado:

Não se acostume, "Comandante" Darbas.

Era audacioso... Mandar ameaças para o capitão Darbas era uma sentença de morte, porém o estranho e silencioso homem parecia não conhecer o perigo ou não teme-lo. Entretanto esses detalhes ainda não importavam. Em breve sondaria tudo o que estranho sabia e porque o ajudara, mas antes queria ver os cadetes, atraídos em busca de um criminoso, prenderem outro para quem não davam tanta importância: o assassino de seus filhos.

- Ainda não entendo porque me ajudou. – Ele afirmava para o estranho de olhos diferentes, voltando a mirar janela depois que um Swellow saiu de vista.

- Não gosto de assassinos de crianças.

- Ninguém gosta, mas isso não foi o suficiente para que alguém me escutasse quando alegava que não havia sido eu. – Ele seguia sem tirar os olhos da avenida, esperando as viaturas retornarem de sua busca pelo homem errado, mas com um prisioneiro de qualquer forma. – Eu amava meus filhos... Não sei como... Como alguém pode achar que eu machucaria um deles... – a voz embargada, tentando controlar o choro e a raiva, era quase inaudível. Contudo, no silêncio do vazio apartamento, o outro o ouviu.

- Isso é o que acontece quando você começa a falar o que pensa sobre o capitão Darbas.

O homem acusado de matar os próprios filhos mirou o estranho ainda sem entender o que ouvia. Tudo o que fazia era compartilhar algumas teorias de conspiração que ouvia e que faziam sentido, sem realmente ir a fundo na história e buscar a veracidade dos fatos. Seria o capitão Darbas tão perigoso como as histórias que eram compartilhadas?

A mente girava de forma confusa, ainda tentando aceitar a realidade de que perdera seus filhos de forma tão brutal, de que era caçado pelo crime que nunca teria coragem de cometer (nem mesmo com os Spearow que sujavam seu carro ele tinha coragem de brigar), de que fora salvo de mais de uma forma por alguém de quem nem o nome sabia e que esse estranho criara um plano louco para prender o verdadeiro assassino, por um crime diverso.

As viaturas logo foram ouvidas novamente, chamando a atenção do homem de volta para a rua. O estranho seguia sentado no chão, com a mão sobre o ferimento ainda não totalmente cicatrizado e que latejava, em sinal de início de infecção. Ao fundo, fumaça subia aos céus com menos intensidade, indicando que o fogo se extinguira. Em suas divagações, não vira quando o cenário mudou, porém agora estava concentrado no homem que era retirado da viatura com certa agressividade. Nas mãos do delegado, um envelope plástico com a carta da geladeira.

- Eles acharam, não é? – O estranho de olhos diferentes perguntou, recebendo um aceno afirmativo somente. – Sabia que achariam, são bons cães, obedientes e farejadores. – Ele afirmava, desdenhando os cadetes como um todo.

- O que você fez? – O outro indagou mais que curioso. Por divagar, perdeu seus filhos e sua vida, passando a ser caçado. Contudo, isso nunca fora o suficiente para mover um grupo de mais do que 3 cadetes em sua caçada. O outro, no entanto, bastava uma reles pista de uma possibilidade para quatro viaturas, algumas motos e o próprio Kibato local partirem imediatamente. Ele, sem dúvidas, era alguém a ser temido.

- Nem mesmo 1/3 do que me acusam e muito mais do que qualquer um poderia imaginar. – A resposta era enigmática, não esclarecendo em nada a dúvida do outro. – Meu primeiro grande crime foi ver Cornélios Darbas. Depois desse, já perdi as contas das razões pelas quais ele me quer morto.

Teorias eram mais que suficiente para se estar na lista de mais procurados. Ver... Presenciar sem qualquer empecilho... Só ficar ao lado daquele homem de olhos desiguais faria a cabeça do outro ser valorizada. Contudo, sem precisar se envolver, ele o achara e o socorrera, lhe dando a justiça. As teorias da conspiração que tanto lia falavam de um exilado, um antigo cadete, que caçava Cornélios com tanta intensidade quanta a que o capitão usava para caça-lo.

- O que vai fazer agora? – O outro perguntava, não verbalizando seus pensamentos, mas tentando saber os próximos passos do outro. Ele revelaria? Não se sumia do mapa do dia para noite com muitas pessoas sabendo do próximo passo.

- Vou procurar a Comandante.

- Angélica Thompson? Não sabia que ela estava perdida. – O outro tentava brincar, ainda não entendendo os planos de um dos maiores procurados do continente.

- Ela desapareceu ontem à noite.

A verdade caía como uma bomba sobre a cabeça do mais novo procurado. Sem Angélica, só havia uma pessoa para assumir o comando: o Capitão Darbas. Ele já era uma ameaça como capitão, controlando somente seu pelotão, como Comandante, o homem tornaria os Cadetes uma máquina de matança contra qualquer um que pensasse ou o mirasse de forma que o desagradasse, pelo menos era isso que as teorias afirmavam e ele ainda não tinha muita certeza quais eram verdadeiras e quais eram exageradas invenções.

- Como... Como sabe que não a mataram? – O outro questionava, tentando descobrir mais sobre a forma de agir de Darbas e o quanto o estranho sabia.

- Não há cartazes de desaparecida. Se Cornélios estivesse envolvido no desaparecimento dela, já teríamos ouvido falar sobre isso, contudo todos estão quietos. Nem mesmo na mídia isso foi retratado está manhã, somente a mudança de Comando. Cornélios não é o responsável pelo sumiço dela e eu vou acha-la.

- Ela não vai querer te ouvir. Ela acredita nos cadetes e se você é realmente que eu penso que é, sua lista de crimes é quase infindável. Por que acha que ela vai parar e conversar ao invés de te derrubar com um golpe de uma dessas lutas que tem nome estranho e depois te levar preso?

O outro não respondeu, somente mirou o procurado pai com seus olhos de cores diferentes. Aquele olhar era intenso, cheio de mistérios, igualmente cansados, como se já tivesse vivido mil vidas e visto tantas atrocidades que só desejava poder descansar em paz, ao mesmo tempo demonstrando consciência de que ainda não era hora para parar.

- Só me confirma uma coisa... Você é mesmo Ian Scott Simmons?

Novamente o outro não respondeu, mantendo-se em um perturbador silêncio, como se lesse a alma do outro, que só pode engolir em seco. Ian... O ex-cadete, que viu a verdade sobre Cornélios. A cabeça mais procurada pelo capitão, ou melhor, novo Comandante dos cadetes. Poderia ir embora... Poderia se entregar aos cadetes e rezar para que Cornélios fosse misericordioso, considerando sua voluntária entrega. Algo, no entanto, lhe dizia que misericórdia não era uma palavra do dicionário do Comandante Darbas. A outra opção era se aliar a Ian em busca de Angélica, que até há pouco nem sabia estar desaparecida.

- Está comigo? Vai me ajudar a encontrar nossa Comandante e expor a verdade para que ela limpe os cadetes?

Ian verbalizava os pensamentos do outro, quase como se lesse sua mente. Na rua, as sirenes haviam cessado, porém o movimento continuava. Ian não verbalizava a segunda opção, embora a conhecesse muito bem. Na rua, inúmeros Gladiadores e Stylists aguardavam o final da prisão, sem conhecer as inúmeras intrigas que aquela cena tão clássica representava. Em suas mentes só havia a dúvida sobre os Pokémon a levar para a convocação. Mal Cornélios assumia o poder e já convocava todos para Piesok. Ninguém entendia porque Piesok e não Mengun, cuja guerra era declarada. Se fosse para atacar Kalled e retomá-la, certamente o melhor ponto seria Twister, não Piesok... Permitiria o novo Comandante que Mengun também caísse, isolando Ragnarök e Sekisetsu? Se a cidade caísse, seria uma questão de tempo para o ataque a Pugil e a queda de toda a ilha.

Munido de medo e confiança, ambos girando rápidos demais em seu peito e se intercalando, o homem se virou para seu salvador. Ian o salvara da prisão, lhe dera justiça, mesmo não precisando se envolver em seus problemas. Ele certamente receberia ajuda de outros muito mais preparados do que ele, pessoas que possuíam Pokémon e treinamento, no entanto, ali estava ele, lhe convidando para talvez a missão mais importante que poderia receber, lhe dando um propósito para continuar e, mais uma vez, o salvando da escuridão que ameaçava lhe engolir.

- Marco de Lamartine, ao seu dispor, oficial Ian Simmons.

Ian não sorrira, ou demonstrara qualquer coisa diferente, somente se erguera com certa dificuldade e se aproximada da cidade, mirando os Gladiadores e Stylists que Cornélios alinhara. Só poderia sentir pena daquelas almas que não possuíam escolha, senão obedecer. O destino deles não seria diferente com Angélica no poder, assim como não fora com o pai dela ou com o Comandante anterior. Um ciclo vicioso... Porém, quem sabe, com os últimos acontecimentos, a primeira comandante mulher estivesse disposta a ouvir e a mudar essa crueldade diária que tantos viviam, enquanto a maioria fechava os olhos para a verdade.

- Vamos encontrá-la. – Ian prometia para o nada, recebendo a concordância de Marco. Sem uma palavra, os dois homens deixavam o prédio que lhes fornecera uma ótima visão, aproveitando-se da distração para sumir da cidade antes que fossem encontrados.