O PLEBEU
Capítulo 1
"O meu estômago se revirou quando vi algumas gotas de sangue no chão. Garota idiota. Por que fazia isso consigo mesma?"
Xxxx
Sakura
"Ino, esconda as cervejas e o cigarro agora!" eu gritei quando ouvi o barulho de um carro nas redondezas.
Ao longo dos anos os meus ouvidos se tornaram extremamente sensíveis a qualquer som que indicasse alguém se aproximando. Uma adaptação em benefício da minha sobrevivência naquela casa. Era de grande utilidade saber quando alguém entrava e saía dali, como agora, em que eu e a minha amiga compartilhávamos uma garrafa de cerveja na beira da piscina. A minha mãe teria um surto se nos visse com bebidas alcoólicas e cigarro, especialmente em plena luz do dia e na sua casa – aliás, na casa do seu marido.
Ino fez o que eu pedi e, assim como eu, apagou o cigarro e jogou a ponta para longe, no meio do mato, onde também escondeu a garrafa de cerveja. Eu me prometi mentalmente que limparia essa bagunça quando terminássemos de tomar sol e a área estivesse vazia. Eu não podia arriscar que algum dos empregados se deparasse com os restos da nossa atividade ilegal e me delatasse para a minha amada mãe. Isso já aconteceu uma vez antes e não terminou nada bem para mim. Desde então eu tenho sido bastante cautelosa. Não queria ficar de castigo de novo.
Nós voltamos a nos deitar nas espreguiçadeiras , ajeitando os óculos de sol e os biquínis como se nada tivesse acontecido. Conversávamos besteiras, nada muito importante, só para distrairmos quem quer que estivesse chegando, quando uma caminhonete velha apareceu no nosso campo de visão, indo em direção à uma pequena casa que ficava há poucos metros da mansão principal, à esquerda. Suspirei aliviada. Não era o Porsche Panamera da minha mãe.
"Alarme falso," eu murmurei para Ino e corremos para buscar as nossas cervejas escondidas no meio do mato.
"Obviamente é um alarme falso," ela respondeu depois que nos restabelecemos nas espreguiçadeiras. "A sua mãe jamais usaria uma coisa como aquela. De quem é este carro e por que ele está entrando na sua casa?"
O carro parou em frente à pequena casa e duas pessoas saíram dele. Um garoto – que mais parecia um homem – de cabelos negros, vestido uma blusa regata branca por baixo de uma outra azul xadrez aberta caminhou do banco do motorista até o bagageiro. Ele tirava de dentro do compartimento milhares de sacolas quando uma mulher cujo cabelo era exatamente do tom do garoto se aproximou dele com um sorriso no rosto e pegou uma das sacolas. Eu pude ver que ela insistia para que ele dividisse a monstruosidade de coisas que carregava, tentando puxar das mãos dele algumas das sacolas, mas ele deve ter relutado, pois saiu carregando quase tudo.
"Ah, é só o Sasuke," Ino suspirou e abaixou os óculos escuros para observá-lo. Eu também quase a imitei, mas me contive. "Deus, como ele é gostoso. Não conte isso a ninguém, mas eu tenho que confessar que eu definitivamente daria uns amassos muito intensos nele se ele não fosse filho da sua cozinheira. Aliás, pensando melhor, se eu estivesse bêbada e tivesse certeza de que ninguém jamais saberia, eu o pegava mesmo ele sendo tão..." Ela suspirou. "Pobre. Você já caiu nessa tentação, Sakura?"
Eu resfoleguei. "É claro que não."
Essa talvez seja uma das maiores mentiras que já saiu pela minha boca nos últimos tempos. Internamente eu compartilhava – e como compartilhava – do pensamento de Ino. Sasuke era lindo. Ele era, fácil, o garoto mais bonito que eu já conheci em toda a minha vida – e eu já conheci muitos garotos bonitos, inclusive alguns atores de Hollywood. Eles pareciam um sapo asqueroso perto de Sasuke Uchiha.
Eu não sabia explicar muito bem o que exatamente o tornava tão atraente. Ás vezes eu pensava que fossem os olhos negros que pareciam demandar a sua atenção a todo momento; outras eu achava que fosse o seu corpo, idealmente magro, com músculos nos lugares corretos (corretíssimos, aliás), ou o seu cabelo preto perfeito que sempre dava um ar ainda mais sensual ao seu rosto. Podia ser a sua mandíbula angulada, quadrada, de homem, ou o seu sorriso (que raras vezes eu tive a oportunidade de ver) que deveria ser ilegal (eu começava a achar que fosse essa a razão por ele não sorrir tanto. Ele teria mulheres demais aos seus pés se fosse adepto do sorriso constante e não seria justo com as outras pessoas). Talvez eu estivesse errada e o que verdadeiramente o distinguia dos outros fosse a sua personalidade misteriosa, ou o seu cheiro, ou a sua postura, ou o seu modo de andar, ou o jeito com que ele passava os dedos pelos cabelos para bagunçá-los.
Enfim, ele era quase perfeito, e o que determinava esse "quase" era justamente o que Ino disse.
Ele era o filho da minha cozinheira e de um dos seguranças.
Esse pequeno fato praticamente anulava todos os outros que o tornavam tão irresistíveis. Pelo menos era essa opinião que eu precisava demonstrar em público.
"Ah, fala sério, Sakura!" Ino exclamou, desacreditada. "Vocês se conhecem desde que estavam na barriga das suas mães – aliás, vocês moram na mesma casa desde sempre! Não é possível que nunca rolou nada!"
"Nós não moramos juntos," eu tentei contrariá-la adotando um tom de indiferença. "Eu moro em uma casa e ele em outra." Que, por sinal, era onde eles tinham estacionado o carro. A mansão e a residência dos Uchiha eram separadas por uma enorme piscina (onde eu e Ino tínhamos essa discussão que eu realmente não gostava de ter).
Ela abanou a mão, negando o meu argumento. "Detalhes. As duas tem o mesmo endereço, não é? A casa dele é só uma extensão da sua própria. Portanto, tecnicamente, moram juntos." Eu abri a boca para retrucar, mas ela continuou antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. "Tudo bem, se quiser forçar a barra, podemos considerá-los vizinhos, no máximo. Ou seja, independentemente do nome que queria dar ao status residencial de vocês, Sasuke, o pedaço de mau caminho – e não conte a ninguém que eu disse isso – está perto o suficiente para algumas escapadinhas no meio da madrugada –"
"Quer parar com isso? Nunca aconteceu nada entre a gente, e não nunca acontecerá, caso queira saber. Nós nem amigos somos, muito menos amantes secretos."
Bem que eu queria que fôssemos.
"Tudo bem, tudo bem. Não precisa ficar nervosinha." Ela levantou as mãos em sinal de paz e eu respirei fundo. Por que eu estava, como Ino citou, nervosinha? Só estávamos brincando. Não tinha motivo nenhum para eu querer desesperadamente encerrar esse assunto. "Você tem razão em não querer ficar com ele, mas eu consigo imaginar o que você está perdendo. É realmente uma pena que ele seja tão quebrado. Ficar com ele seria um golpe fatal na sua reputação. Quero dizer, quem, em sã consciência, ficaria com um bolsista, por mais gostoso que ele fosse? Você seria motivo de chacota no instante que alguém soubesse. Por isso que eu disse para darem uns amassos escondidos –"
"Ino, eu já disse que eu não vou me envolver com Sasuke!"
"Eu sei que não! Só estou sugerindo que, caso não consiga resistir à tentação, resista em segredo. É o que eu faria. Pense bem: o seu último affair foi com Neij, o garoto mais cobiçado do colégio. Seria um salto enorme e sem precedentes no Saint Bernard se fosse de Neij Hyuuga para Sasuke Não-Sei-O-Quê – o que eu não estou dizendo que vai acontecer, antes que me dê um chute."
Eu tomei um gole da minha cerveja, ainda mais desconfortável com esses comentários. Eu não concordava totalmente com ela, mas, é claro, não podia dizer isso em voz alta. Ela tinha certa razão. Muitos dos garotos do colégio – garotos ricos, bem vestidos, influentes e com um futuro promissor agendado, ou seja, o completo oposto de Sasuke – tinham interesse por mim exatamente por eu ser igual à eles. Se eu poderia escolher qualquer um deles, por que me contentar com o filho da cozinheira e do segurança da minha casa, por mais que ele me atraísse como um imã desde que éramos crianças?
Ele era lindo, mas não fazia o tipo de uma garota como eu. Ele não podia ser o meu tipo.
Infelizmente.
Entretanto, tinha dias que eu desejava com todas as minhas forças que a história fosse diferente. Muitas vezes eu me pegava imaginando como seria a nossa situação se Sasuke fosse mais abastado.
"Mas é inegável que ele seja maravilhoso," a minha irritante amiga continuou. "Por que não sugere a ele que trabalhe como modelo dessas lojas populares, tipo, Abercrombie ou algo do tipo? Talvez a fama de pé-rapado falido dele seja dividida com o seu abdome tanquinho e ele passe a ser aceitável. Eu acho que ele faria sucesso. Com certeza ele tem o perfil para modelo. E as costas. E o peitoral. E as pernas, os ombros, os braços –"
"Ok, Ino, eu já entendi," eu a cortei. Tudo bem que ela achava Sasuke gostoso e tudo o mais, mas ela não precisava ficar esfregando na minha cara o que eu não podia ter. Já não bastava saber que ele dormia a poucos metros do meu quarto? Ela precisava ficar jogando sal na minha ferida? Eu considerei expulsá-la da minha casa se fizesse mais um comentário cretino do garoto mais bonito que já passou pela minha vida.
Consideração que foi prontamente recusada. Eu preferia passar uma eternidade com Ino irritando os meus ouvidos do que um minuto sequer com o restante daquela família maldita. Foi por isso que eu a chamei até ali, para tomarmos um sol na beira da piscina, como quem não quer nada. Eu sabia que se eu estivesse sozinha o meu padrasto ou a sua filha estariam me chateando nesse exato momento. Eu fazia tudo o que estava ao meu alcance para evitar aqueles dois e, consequentemente, a minha mãe, já que ela preferia a companhia deles a minha.
Era basicamente por isso que Ino não podia sair do meu lado. Por mais irritante que ela fosse em alguns momentos, ela me distraia do terror que me esperava dentro de casa. Por algumas horas eu podia colocar de lado o ódio que eu sentia por aquela família de merda e me entreter com outra pessoa. Odiar cansa, especialmente quando se trata de pessoas tão fáceis de se desgostar quanto o meu padrasto e a sua filha.
Ela suspira e toma um gole da cerveja. "Que horas você está pensando em sair para a festa do Kiba hoje?"
Era verdade que eu me irritava com Ino algumas vezes, mas ela sabia quando parar de apertar os meus botões. Eu relaxei diante dessa mudança de assunto. "Eu ainda não sei. Tenho que esperar todos estarem dormindo. A minha mãe me proibiu de sair pelos próximos dois meses."
"Ela ainda está com raiva da semana passada?"
Eu assenti. Ela não estava exatamente com raiva. Estava mais ressentida e decepcionada comigo. Ela não gostou nada de eu ter saído um sábado à tarde sem ter lhe dado qualquer tipo de satisfação e voltado para casa somente de madrugada. Porém, em minha defesa, eu devo dizer que ela não estava por perto quando eu resolvi sair e eu me esqueci – ou escolhi esquecer – de lhe avisar por celular – além de recusar as suas ligações. O seu marido estava em casa e eu poderia ter avisado-o, mas, se eu não me importava em me explicar nem para a minha mãe, me importava menos ainda em sequer dar bom dia para o meu padrasto.
Assim que eu pus os pés em casa fui colocada de castigo por dois meses. Eu tinha certeza que ela esperava uma discussão quando anunciou a minha pena, mas eu simplesmente dei de ombros e continuei o caminho para o meu quarto, onde eu me tranquei. Com castigo ou sem castigo, eu sairia quando quisesse. Tinha os meus recursos para me esgueirar para fora da casa sem que ela sonhasse que saí do meu quarto.
"Eu preciso que você me dê uma carona hoje," eu pedi, tragando o meu novo cigarro. "Com certeza a minha mãe saberá se eu tirar o carro da garagem. Dá para ouvir do quarto dela." E eu fiz o teste.
"Sem problemas. Me ligue quando estiver pronta que eu passo aqui."
"Ótimo."
Eu não perderia essa festa por nada nesse mundo. Eram coisas desse tipo que mantinham a minha sanidade – mesmo regada à álcool.
Xxxxx
Eu sorri para o meu reflexo no espelho. O vestido preto que eu tinha pré-selecionado realmente era a escolha certa para aquela noite. Ele era completamente colado á minha pele e com um superdecote na frente que, eu esperava, fosse perdoado pelas suas mangas compridas. Eu gostava da forma como a cor escura realçava a minha pele branca – agora, um pouco mais bronzeada depois da tarde de sol que passei ao lado de Ino. A marca do biquíni ao redor dos meus seios era um bônus a mais para a minha aparência que não podia ser menos do que impecável.
Eu era uma garota vaidosa e não tinha vergonha de admiti-lo. Gostava de me sentir bonita e, principalmente, que outros me achassem bonita. Era de uma satisfação enorme chegar em um local e sentir todos os olhares sobre mim. Eu já não me importava mais com os sussurros das garotas que me admiravam (uma pequena minoria me criticava, mas eu aprendi a ignorá-las) e os olhares dos garotos que, eu sabia, se sentiam atraídos por mim. Não era para menos. Eu era a filha do falecido dono de uma das maiores empresas de advocacia dos Estados Unidos e naturalmente chamaria atenção mesmo se eu fosse a garota mais feia da cidade – o que, obviamente, eu não era. Eu sempre soube que eu era no mínimo atraente, e isso associado ao status que a minha família me dava tornava-me uma adolescente interessante.
Não me leve a mal, eu não sou arrogante. Não fui eu quem quis que as pessoas me olhassem da maneira como me olham. Estar sempre impecável o bastante para ser admirada não foi uma opção que fiz nada vida; foi a vida quem o fez para mim, por mais filosófico que isso possa parecer. Eu comecei a me viciar no mundo das maquiagens, roupas e sapatos caros e tudo o mais justamente quando percebi que eu era notada onde quer que eu passasse. Eu sempre fui uma garota popular e não foi porque eu quis, mas porque os meus pais sempre foram, e eu não tive outra opção senão seguir o caminho deles.
Portanto, se eu era notada e observada, eu tinha que estar sempre apresentável o bastante para que as pessoas gostassem do que vissem. Era quase uma obrigação. A filha de um multimilionário não deveria se vestir como uma mendiga, e sim como uma princesa. E eu gostava de me sentir uma princesa.
Eu dei um pulo de susto quando batidas na porta do meu quarto interromperam os meus devaneios. Merda. Quem teria a crueldade de me incomodar a essa hora da noite?
Por um instante eu pensei em ignorar as batidas e fingir que eu já estivesse dormindo, mas a porra da luz estava acesa. Como eu pude ser tão burra de deixar essa merda ligada?
Eu não tive outra opção senão suspirar e gritar: "Quem é?"
"Sou eu, filha."
Era a minha mãe. Merda. O dia estava se encaminhando para um desfecho perfeito em que eu não tive que interagir com absolutamente ninguém naquela casa. Por que justamente agora, perto do seu fim, a minha mãe resolveu dar as caras?
"Eu estou querendo dormir, mãe," eu suspirei.
"Eu só quero te ver por um instante."
Merda. A minha vontade de não vê-la não contava ali? Eu poderia insistir na minha mentira de que queria dormir mas, conhecendo a minha mãe, ela não sairia dali sem usar todas as suas forças para conversar comigo e eu realmente não tinha tempo para discutir com ela. Portanto, o melhor a se fazer era simplesmente conversar rapidamente com ela e acabar logo com isso.
"Só um instante!" eu gritei enquanto tirava o vestido pela minha cabeça e o jogava dentro do armário. Por sorte eu ainda não tinha me maquiado. Eu jamais dormia maquiada (eu tinha uma pele bem sensível) e ela sabia disso. Ela desconfiaria se me visse agindo de forma diferente e faria mais interrogatórios que eu não tinha paciência para resolver.
Depois de esconder os meus sapatos – aliás, sapatos de Karin que eu roubei naquela tarde – e vestir o primeiro pijama que vi pela frente eu abri a porta.
"O que foi, mãe?" eu a cumprimentei com uma voz realmente entediada e irritada que combinava perfeitamente com a minha intenção de parecer sonolenta.
Ela ergueu uma sobrancelha. "Já vai dormir? Não são nem nove horas."
Eu levantei um ombro. "Quero acordar cedo para a aula amanhã."
"E desde quando você é tão dedicada para ir a aula?"
Eu suspirei e cocei a testa. Não era ela mesma quem dizia que eu devia ser mais engajada nos estudos? Por que estava reclamando agora? "Não importa. O que você quer?"
Ela abandonou a postura de descrença (ainda bem que a minha tentativa de mudança de assunto funcionou) e me explicou: "Eu só queria conversar um pouco com você. Não te vi o dia inteiro." E era exatamente essa a minha intenção.
Antes que eu pudesse evitar ela passou por mim e entrou no meu quarto. Eu realmente não escaparia dela tão facilmente quanto ela pensava. Eu começava a achar que as mães em geral tinham um timing perfeito para estragar os planos dos seus filhos até mesmo quando não sabiam da existência desses planos.
"Como foi a sua tarde com Ino?" ela me perguntou enquanto se sentava na beirada da minha cama. Merda. Ela pretendia demorar.
"Boa." Eu não estenderia a minha resposta nem se eu tivesse mais o que falar. Eu aprendi com os anos que era um erro dar corda para a minha mãe. Ela acabaria confundindo a minha resposta ligeiramente longa com uma falsa disposição para conversar e tiraria proveito disso, falando até a hora que a sua saliva – e a minha paciência – se esgotasse.
"Vocês só ficaram na piscina mesmo?"
Oh, Deus, ela queria mesmo conversar. "Só."
"Não foram às compras?"
Eu suspirei, sem medo de mostrar a minha impaciência. "Não, mãe, nós só ficamos deitadas na beira da piscina nos bronzeando. Satisfeita?" Por favor, vá embora.
"Você ficou com uma cor bonita."
"Eu sei."
Nós nos encaramos enquanto um silêncio desconfortável pairava no ar. Eu senti que ela queria conversar mais, mas não tinha mais assuntos para discutir, e eu não queria conversar o que quer que fosse. Eu achei que talvez ela enfim percebesse que aquele não era o melhor momento para batermos um papo, mas a minha mãe era persistente e encontrou no fundo da sua alma algo mais do que falar.
"Eu e Karin vamos ao shopping amanhã depois da aula. Quer ir conosco?"
"Sem chances," eu disse assim que ela terminou a frase e cruzei os braços. Ela já devia saber a minha resposta antes mesmo de considerar a hipótese de me chamar.
"Sakura, filha, eu acho que você deveria ir conosco. Há quanto tempo nós não saímos juntas, só nós três?"
Há uma eternidade, graças à minha vontade de manter a minha sanidade e integridade física o mais intocáveis possível. Eu e Karin acabaríamos nos matando se passássemos mais de dois minutos juntas.
"Mãe, você pode me chamar para beijar os pés do Papa com Karin que eu jamais aceitaria o convite. Acha que eu vou voluntariamente passar mais de trinta segundos com ela?" eu disse categoricamente, eliminando qualquer possibilidade de argumento com a minha mãe. Eu não tinha tempo tem ânimos para debater sobre aquilo.
"Não foi você quem disse que precisava comprar um presente para o aniversário de Mikoto? Podemos fazer isso –"
"Eu não preciso de você e Karin para escolher um presente," eu a interrompi, falando por entre os dentes. "Eu vou comprar o que eu quiser e quando quiser, de preferência quando Karin estiver bem longe de mim."
Ela suspirou e se levantou da cama. Graças a Deus. Ela está indo embora. "Eu sinceramente não consigo entender esse seu ódio mortal e crônico por Karin. Você a trata como se ela fosse a pior pessoa do mundo."
"Não exagere, mãe. Karin não é a pior pessoa do mundo. Seria, se o pai dela não ocupasse esse posto." E ela realmente era. Eu não sei se existe no mundo outra pessoa com uma capacidade tão brilhante igual à de Karin para me irritar. Às vezes ela conseguia me tirar do sério só de respirar o mesmo ar que eu. E o pai dela... Não existiam palavras nos dicionários de qualquer idioma apropriadas o suficiente para descrever o quanto eu o odiava.
A minha mãe me olhou feio. "Eu não gosto que fale assim do Matsumoto, e você sabe disso. Ás vezes você parece que esquece que é ele quem paga esse teto sobre a sua cabeça e a comida que tem à mesa. Deveria ser mais grata ele."
Eu resfolguei. Era óbvio e previsível que ela o defenderia. "É mais provável eu dizer a Karin que a amo do que ser grata a Matsumoto. Olha, mãe, já chega," eu emendei quando ela abriu a boca para retrucar. "Estou cansada demais para discutir isso com você a essa hora da noite. Tenho que dormir."
Ela suspirou e deu um passo em minha direção, encarando-me com um olhar suplicante. Eu deveria avisá-la que essa tática não funcionava mais comigo. "Filha, isto nunca dará certo se você continuar a rejeitar tudo e todos. Você poderia ao menos tentar ser civilizada com Matsumoto e Karin?"
Eu enruguei a testa em indignação. "Por que está me criticando como se eu fosse a única culpada da história aqui? Eles também não morrem de amores por mim!"
"Porque você não dá motivos para eles gostarem de você!"
"E você acha que eles se esforçam para me agradar?"
"Com certeza eles tentam mais do que você. Pelo menos eles não fogem do café da manhã e dos jantares, trancam-se no quarto ou sempre inventam desculpas para não querer passar poucos minutos com família!"
"Família?" Eu não conseguia acreditar no que ouvia. Como ela podia chamar aquilo de família? Talvez aquilo fosse uma família para ela e os outros dois desgraçados, mas para mim essa casa mais parecia um circo ou o meu pior pesadelo. Mas eu estava sendo ingênua achando que ela fosse considerar a minha perspectiva da situação. Eu era apenas uma peça avulsa naquela novela, uma figurante insignificante ao fundo. Quem se importaria com a opinião de alguém tão secundário quanto eu?
"Sim, Sakura, família. Uma nova família. Um recomeço," ela me explicou, apenas alimentando ainda mais a minha indignação. "Nós estamos tentando fazer o nosso melhor para isso funcionar e tudo o que você faz é se rebelar sem causa –"
"Sem causa?" eu quase gritei. "Você acha que eu não gosto deles porque sou uma rebelde sem causa? Quer causa maior para odiar essa merda de família do que Matsumoto ser o homem que o meu pai mais odiava no mundo e você ter se casado com ele quatro meses após a morte dele? Isso não é causa suficiente para você, mãe?"
Ótimo. A minha mãe já começava a estragar a minha noite antes mesmo de eu me maquiar.
Ela engoliu em seco. "Eu sei que foram muitas mudanças para serem assimiladas em tão pouco tempo e que você ainda luta para lidar com a morte do seu pai, mas você tem que aprender a viver com o que tem agora, Sakura!"
Eu estava farta disso. Estava farta de relembrar o meu pai e escancarar a ferida no meu coração, farta de ouvir a minha mãe defendendo aqueles dois filhos da puta a quem ela me forçou a juntar, farta do atraso para a minha festa que me faria esquecer de tudo isso.
"Eu confiava – e ainda confio – no julgamento do meu pai, e se ele achava que Matsumoto era um homem a ser odiado, eu o odiarei na mesma intensidade." A minha voz ficou mais firme, mais autoritária, talvez para compensar as lágrimas que subiam aos meus olhos, talvez por eu sempre adotar essa postura quando se tratava do meu pai. Ele já não estava mais aqui para se defender, mas eu o faria por ele com unhas e dentes. Não admitia que falassem uma palavra sequer dele perto de mim. Eu o amava mais do que qualquer outra pessoa nesse mundo, e só isso bastaria para colocar todo o meu corpo e alma no fogo por ele.
"E eu sugiro que você se lembre dos valores dele antes que perca o último membro da sua família verdadeira que resta."
Os olhos dela marejaram, assim como os meus. "Nós temos uma família agora, querida. Quando vai aceitar isso?"
"A única família que tínhamos foi destruída, e o último golpe foi seu."
Aquilo nunca seria uma família para mim. Família era os quatorze anos que passei ao lado do meu pai e da minha mãe, quando ela ainda me amava. O que eu tinha hoje estava há anos luz da minha verdadeira felicidade. Eu não era e nunca seria parte deles. Se estava ali agora dividindo uma casa com eles era porque eu não tinha escolha. Eu não podia sair, não enquanto ainda era menor de idade. Como eu arranjaria um emprego digno para pagar a mensalidade do meu colégio? O meu pai sempre exigiu que eu me formasse no Saint Bernard, assim como ele, os seus irmãos, pais, avós e antes deles, como uma tradição na família dele. Eu tinha que mantê-la, pelo meu pai. Portanto, por mais que me doesse admitir, eu dependia financeiramente de Matsumoto – mas não por muito tempo.
Com a exceção do dinheiro dele, em nada ele me acrescentava na vida e eu não faria absolutamente nada para mudar esse fato. Ele continuaria sendo um zero a esquerda, no máximo um filho da puta desgraçado, mas nada além disso. Eu nunca o veria como um possível substituto para o meu pai – até porque não existem pessoas no mundo à altura para isso.
A minha mãe olhou para baixo e enxugou uma lágrima que escorreu pela sua bochecha. Eu não ira me sensibilizar. Foi ela quem veio até o meu quarto e começou esse assunto idiota. Acabou ouvindo o que não queria. Não era culpa minha. Ela já sabia das minhas opiniões há muito tempo.
"Você não quer mesmo ir ao shopping comigo?" ela murmurou.
Eu poderia ir ao shopping com ela se eu estivesse de muito bom humor, mas não com Karin. Nunca. "Não."
Ela assentiu e com um "boa noite" quase inaudível saiu do quarto.
Eu tive vontade de chorar, mas logo devolvi as lágrimas para o lugar de onde elas nunca deveriam ter saído. Eu tinha uma festa para ir e não seria a minha mãe quem estragaria o meu ânimo.
Xxxx
Sasuke
"Sasuke."
Eu abri os olhos assim que ouvi a primeira sílaba do meu nome. Quem quer que o tenha dito o fez em um sussurro, mas o meu sono era tão leve que eu acordei imediatamente sem grandes esforços. Senti uma mão acariciar o meu couro cabeludo e não precisei olhar para cima para saber de quem se tratava.
"Filho, você pode abrir a porta da cozinha da mansão para as meninas?" a minha mãe me pediu. O hábito que ela tinha de mexer no meu cabelo agora estava sendo usado como uma estratégia de persuasão, eu percebi. Não que estivesse funcionando muito bem. Eu estava prestes a voltar a dormir quando ela continuou. "Eu estou um pouco atrasada com o café daqui e o seu pai está no banho. Pode ir até lá por mim?"
Eu assenti e me sentei na cama, coçando o rosto. Eu não era capaz de negar nada a minha mãe, muito menos algo tão simples quanto abrir uma porta a poucos metros.
"Obrigada, meu filho." Ela beijou a minha testa. "Sei que ainda é um pouco cedo para você acordar, mas eu não posso deixar as meninas do lado de fora. Elas tem que entrar para já irem adiantando o serviço."
"Não tem problema," eu resmunguei ainda sonolento e joguei as minhas pernas para fora da cama. "Que horas são?"
"Seis e meia."
Eu não consegui conter um suspiro. Eu ainda teria mais vinte minutos de sono se a minha mãe não tivesse me acordado e eu precisava deles. Tive que ficar até tarde da noite estudando para o teste daquela semana e as poucas horas que dormi não foram suficientes para diminuir muito o meu cansaço. Eu poderia dizer não a minha mãe e eu tenho certeza que ela entenderia, mas eu não iria. Que tipo de filho eu seria se não sacrificasse vinte minutos de descanso por ela?
"Eu vou deixar a chave na sua escrivaninha, tudo bem?" Ela me deu outro beijo na testa para depois se afastar. "Me desculpe, filho. Foi tudo culpa minha. Eu não ouvi o meu despertador tocar e acordei mais tarde do que o de costume."
"Você não precisa se desculpar," eu murmurei enquanto me levantava.
"Obrigada de novo." Ela me abraçou. A minha mãe gostava muito de demonstrar o seu afeto por mim. Não que eu me importasse. "Vou fazer a sua lasanha preferida hoje à noite para compensar."
Era pouco mais de seis da manhã quando saí da minha casa em direção a mansão dos Kitadani. Eu não sairia para aula antes das sete e meia e, portanto, tinha tempo de sobra para abrir a porcaria da porta, voltar para tomar café e me arrumar. A possibilidade de eu encontrar alguém no meio do caminho era minúscula e eu não tive que me importar com a minha vestimenta enquanto me dirigia para a mansão. Usei apenas uma calça jeans comum, blusa branca e chinelos, carregando a chave em mãos.
Maldita chave. Era ela a culpada de tudo. Ela, e a confiança que os patrões depositavam na minha mãe. Ela era a única funcionária da casa que tinha as chaves das portas da frente e do fundo. Era ela quem sempre permitia a entrada do restante do staff. Mikoto e Fugaku Uchiha eram os mais antigos empregados da família Haruno e permaneceram com ela mesmo após a mudança do sobrenome para Kitadani.
Ainda sonolento, eu estava distraído enquanto percorria o curto trajeto da minha casa até a porta dos fundos. Foi por conta dessa minha distração que tomei um dos maiores sustos da minha vida ao ver uma pessoa deitada escorada exatamente na porta que eu deveria abrir.
O cabelo rosa me deu uma resposta imediata antes mesmo de me perguntar quem poderia ser.
"Sakura!" eu exclamei, largando a chave no chão sem perceber. Com as batidas do meu coração entre as minhas orelhas eu corri até ela. Antes de pensar no que, diabos, ela estava fazendo ali, vários cenários voaram pela minha mente em um espaço de microssegundos. Ela está desmaiada? Morta? Respirando? Que porra ela estava fazendo ali?
Eu me agachei ao lado dela. Os meus pulmões pareceram muito mais elásticos depois que constate que ela estava respirando.
"Sakura," eu a chamei de novo dando batidas na bochecha dela. "Sakura." Ela virou o rosto e resmungou alguma coisa. Pelo menos estava viva. Eu falei o nome dela novamente e dei batidas ainda mais fortes na bochecha dela. Não me importava muito no momento se os meus dedos ficariam marcados na pele dela depois. A minha prioridade era acordá-la, se fosse possível.
Lentamente ela abriu os olhos e eu imediatamente vi que estavam vermelhos. Ela voltou a fechá-los.
"Porra, Sakura, acorde." Eu bati pela terceira vez, e ela, enfim, abriu os olhos em definitivo. Demorou quase dez segundos para encontrar o meu rosto.
"Sasuke?" ela falou embolado, olhando ao seu redor com o cenho franzido. Eu tive a impressão que de que ela não fazia ideia de onde estava. O meu nariz captou um cheiro com o qual eu era bastante familiar e que tirou todas as minhas dúvidas a respeito de que merda Sakura estava fazendo do lado de fora da sua casa às seis da manhã de uma quinta-feira.
Ela estava bêbada.
Maldita. Eu não conseguia acreditar que eu quase tive a porra de um infarto por causa de uma bêbada desmaiada. Eu a encarei feio, mas ela estava ocupada demais em tentar decifrar onde estava para me notar.
Sakura estar embriagada não era uma novidade para mim. O que era novidade era eu presenciar essa catástrofe ao vivo e a cores. Eu estudava no mesmo colégio que ela e, por mais que eu evitasse fofocas – que eram incontáveis –, principalmente as que envolviam a filha das pessoas que pagavam os salários do meu pai, inevitavelmente uma ou outra chegava até mim, a maioria delas relacionadas à Sakura Haruno, a rainha do Saint Bernard. Eu sabia que ela não só bebia como fazia toda a sorte de coisas fodidas – e mesmo assim era idolatrada pelos alunos.
Entretanto, aquela era a primeira vez que as lendas se materializavam bem na minha frente. E eu não estava gostando do que via.
Eu comecei a me levantar. Não ia perder o meu tempo com ela – além dos quase dez anos que perdi ao me deparar com ela desacordada. Bêbados, especialmente os tão patéticos quanto Sakura, não mereciam o meu tempo.
"Sasuke!" ela exclamou e agarrou a minha mão quando eu já estava de pé. Eu tentei me soltar dela, mas ela apenas me segurou mais firme. "Sasuke, você é o meu salvador!
Ela usou o meu braço para se erguer porque, pelo visto, não tinha condições de fazer algo tão simples quanto se colocar de pé sem um apoio. Eu só a ajudei porque acabaria indo ao chão junto com ela e porque me incomodava esse estado humilhante em que ela se encontrava.
"Eu tenho vergonha de você," eu disse por entre os dentes. Não era ela em particular que me causava repulsa, mas a situação em que ela se encontrava. Que mulher respeitável bebia tanto até desmaiar – e não tinha vergonha disso? Ela sorria para mim. O vestido dela tinha subido e a calcinha branca dela estava aparecendo e ela estava me dando a porra de um sorriso. Ela achar essa humilhação engraçada apenas me fez ficar com mais raiva.
Ela juntou as mãos na sua frente, como em uma prece. "Eu preciso muito que você arranje a chave dessa porta para mim. Você sabe quem está com ela? Eu não estou. Acho que perdi as minhas chaves. Eu tenho que me arrumar para o colégio – ai, meu Deus, que horas são?"
O meu ódio por aquela chave triplicou. Como eu não queria tê-la naquele momento. Se ela não estivesse no chão a poucos passos de nós eu teria fingido que não sabia quem a tinha só para deixar aquela bêbada ridícula do lado de fora. Por que a minha mãe teve que me designar essa tarefa logo naquela manhã? Sakura estaria ferrada se a minha mãe não tivesse me enviado. Teria sido a minha mãe quem a encontraria naquele estado patético, estatelada no chão, e eu tenho certeza que não hesitaria em contar para a mãe dela.
"Concerte essa merda de vestido," eu sibilei, apontando com a cabeça para a calcinha dela à mostra. Eu teria achado a calcinha dela excitante se não estivéssemos em um contexto tão degradante.
Ela olhou para baixo, sorriu, e ajeitou o vestido. "É sério," eu ergui uma sobrancelha. Quem é você para me falar de seriedade? Segundos atrás você não tinha um pingo de vergonha de me mostrar as suas roupas íntimas. "Que horas são?"
"Hora de você amadurecer."
"Uau. Sasuke Uchiha fazendo uma piadinha. Quem diria?" Ela colocou as mãos na cintura e cambaleou para trás. Eu quase estendi uma mão para segurá-la. "Horas?"
"Seis."
Ela suspirou e colocou uma mão no peito. "Ótimo. Ainda tenho tempo de me arrumar para o colégio. Eu não posso faltar mais nenhuma aula de Economia."
Eu peguei as chaves que deixei cair e retornei para a garota estúpida. E bêbada. "Você não pode estar pensando em ir para o colégio assim."
"'Assim' como?"
Vestida como uma puta. "Bêbada."
Ela soltou uma risada abafada e me olhou como se eu tivesse dito que ela era gorda. Até eu sabia que isso irritava mulheres. "Eu não estou bêbada!"
"Posso sentir o cheiro daqui." E podia. Ela exalava álcool e fedia à cerveja, como se alguém tivesse derrubado um barril inteiro na cabeça dela.
Ela empinou o queixo. "Eu vou tomar um banho e vou conseguir ficar sóbria a tempo. Não se preocupe."
Foi a minha vez de soltar uma risada sarcástica. "Eu não estou remotamente preocupado com você." A única coisa que sentia por ela naquele momento era uma repulsa sem precedentes.
"Remo – o quê?"
Eu rolei os olhos. Por que eu ainda perdia a porra do meu tempo conversando com uma bêbada?
Ela respirou fundo e passou uma mão pelo cabelo rosa. Outra coisa que eu teria achado excitante em outras circunstâncias. "Escute, eu não posso ficar discutindo aqui com você, Sasuke Uchiha." Eu teria gostado de ouvir o meu nome na voz dela se não estivesse tão humilhantemente embolada. "Vai buscar uma chave para abrir essa merda de porta para mim ou não?"
Eu olhei feio para ela uma última vez antes de fazer o que ela mandou – não por que ela mandou, obviamente, mas porque eu não tinha tempo a desperdiçar. Eu entrei na cozinha sem esperar por ela. A minha mãe teria me repreendido se tivesse me visto entrando em um lugar sem ter segurado a porta para uma dama, mas Sakura não estava sendo exatamente uma dama e não merecia que eu agisse educadamente.
Como se ela quisesse superar o seu nível de idiotice, ela tropeçou no pequeno degrau que precedia a cozinha e caiu estatelada no chão. De cara. Da forma mais imbecil possível.
Confesso que tomei um susto e fiquei levemente preocupado quando a vi despencando no chão. Eu queria tê-la socorrido, mas não o fiz. Ela bebeu porque queria ser a porra de uma idiota, estava sendo uma, e eu não iria atrapalhá-la a continuar. Ela trouxe isso a si mesma. Que sofra as conseqüências das suas atitudes.
"Estou quase sendo sufocado pela quantidade absurda de asneira que você está liberando," eu comentei enquanto ela se recompunha.
"Ah, merda," ela praguejou e se sentou com uma mão na cabeça. "Eu cortei a minha testa."
Os dedos dela começaram a ser manchados de sangue. Eu tive um mini-infarto. "Porra, Sakura."
Eu tive que ir até ela e, dessa vez, ajudá-la a se por de pé. Havia uma mesa na cozinha onde os funcionários almoçavam, e foi em uma das cadeiras que a acompanhavam que joguei Sakura sem a menor cerimônia.
Afastei a mão dela da sua testa para analisar o ferimento. Era um pequeno corte no supercílio que sangrava bastante. "Por que você tem que ser tão imbecil, Sakura? Poderia ter ferido a porra do seu olho!"
"Cale a boca."
Eu a deixei na cadeira para buscar gelo. Garota idiota. Estúpida. Imbecil. Por que eu não a deixava ali, sangrando até morte – ou pior, até que alguém a encontrasse?
Eu andei de volta para ela e pela primeira vez reparei no seu relógio. Tinha sangue nele. Ela deve ter usado a mão para aparar a queda e batido o rosto no relógio, originando um corte. Quem diria que um acessório tão caro – e eu sabia que era caro – seria o causador de um estrago como aquele.
"Tire essa mão daí." Ela fez o que pedi e eu pressionei com força, de propósito, o gelo no corte.
"Ai, seu ogro!" ela gritou e me deu um pequeno tapa na barriga. "Está querendo terminar de quebrar a minha testa? Você deveria ser mais simpático comigo. Eu quase morri com essa queda!"
"Eu não tenho pena de garotas mais bêbadas que um gambá." Uma mecha de cabelo rosa ensangüentada grudava na lateral do rosto dela. Eu a tirei de lá antes que pudesse me impedir. E continuei a segurar o saco de gelo para ela – o que eu não deveria fazer, mas fiz.
"Pois deveria. Uma delas, no caso eu, está sofrendo muito nesse momento. Tem um troglodita querendo perfurar o crânio dela com gelo."
"Talvez isso seja um castigo divino por você ter aprontado." Eu afastei o saco de gelo por instante para inspecionar o ferimento. Já sangrava menos. O supercílio era um lugar sensível e que sangrava muito, mas não apresentava perigo.
"Eu não aprontei tanto assim para receber essa tortura cruel." Ela tomou as rédeas da situação tomando o gelo de mim e aplicando no local. "Eu só bebi um pouco. Que mal há nisso?"
A pergunta mais imbecil do século. "O buraco na sua cabeça te responde?"
Ela passou um dedo no local do acidente. "Ah, merda! Isso vai ficar muito inchado? Eu defin... definitivamente não precisava disso. A minha testa já chama atenção sem esse chifre nela!"
Sakura sempre teve uma leve obsessão pelo tamanho da testa dela. Eu nunca vi nada de mais, mas garotas são garotas e foram feitas para achar defeitos onde não existe.
Não que Sakura não tivesse defeitos. Eu só quis dizer que a testa não era um deles.
"Pare de reclamar e vá se arrumar. Já está atrasada." Contrariando a mim mesmo eu a ajudei a se levantar e fingi não sentir nada quando ela colocou uma mão no meu peito para se apoiar.
A risada que ela soltou me irritou profundamente. Ela não podia ser tão burra assim de ainda achar graça em uma situação com aquela.
"O que foi?" eu sibilei.
"A sua blusa está suja de sangue." Eu olhei para onde ela apontava. A minha blusa branca realmente estava manchada de vermelho pelo que, parecia-me, ser marcas dos dedos dela. Merda. Eu teria que entrar pela janela do meu quarto para que a minha mãe não visse isso. "É melhor você queimá-la. Se eu morrer por causa disso nas próximas horas, você terá uma bela prova de que é um suspeito em potencial."
Eu a encarei com um olhar duro. "Você só pode estar muito bêbada para achar que o seu sangue é engraçado."
"Eu devo estar," ela resmungou e recolocou o gelo na testa. "Tenho que ir. A minha mãe vai me sacrificar em praça pública se souber que cheguei em casa a essa hora e quase quebrei a testa no processo."
É o que você merece.
Ela finalmente saiu da cozinha, deixando comigo a minha paz. Como uma garota daquele tamanho conseguia dar tanto trabalho em um espaço de quinze minutos e dez metros quadrados? Eu suspirei. Aquele realmente não era o jeito que eu pensei em começar a minha manhã.
O meu estômago se revirou quando vi algumas gotas de sangue no chão. Garota idiota. Por que fazia isso consigo mesma?
Eu tinha acabado de terminar de limpar a sujeira de Sakura quando ouvi passos correndo em direção a cozinha. Eu só tive tempo de me virar antes que um par de braços me abraçasse e uma cabeleira rosa recostasse no meu peito.
"Muito obrigada," Sakura murmurou e me largou rapidamente.
Eu fiquei parado. Que porra tinha acontecido ali? Sakura Haruno, a garota que não me dava um milésimo de segundo da sua atenção, tinha me abraço e me agradecido? Ela deveria estar muito bêbada mesmo.
Eu olhei para a minha blusa. Droga. A Garota Mais Idiota da História tinha sujado-a mais ainda.
Xxxx
A.N.: Antes que desejem a minha morte com todas as suas forças, peço que me deixem explicar primeiro.
Resolvi repostar "O Plebeu". Sim. Repostar. Não desisti da história, muito pelo contrário. A minha cabeça tem fervilhado com idéias para ela. Infelizmente, muitas delas não cabiam no contexto da história que eu tinha escrito anteriormente. Tive que reformular muita coisa para encaixar com perfeição tudo o que queria escrever. Como vocês podem ver, só esse primeiro capítulo já está muito diferente do anterior (se alguém ainda se lembra dele), e muita coisa vai mudar na história daqui para frente. Eu até me senti tentada a mudar o título, mas, no fim das contas, resolvi mantê-lo.
Até mesmo o meu estilo de escrever mudou em relação a essa fic. Eu quis escrever algo que soasse mais espontâneo, e não como se eu tivesse me debruçado um milhão de horas para escrevê-la – o que acabou acontecendo, mas a minha intenção era passar a sensação do contrário. Quando eu estava relendo todos os capítulos que já tinha postado, percebi que Sakura e Sasuke mais pareciam dois adultos contando a história do que dois adolescentes, e eu queria que vocês a lessem pelos olhos de dois adolescentes.
Eu entenderei se vocês ficarem com raiva, mas peço que me compreendam! É para o bem da história, eu juro!
Espero, de coração, que continuem comigo. Apesar de a essência da história ser a mesma, muita coisa vai mudar, e espero que isso possa mantê-los comigo. Entenderei se não quiserem continuar, mas peço encarecidamente que continuem. Não sei se ajuda, mas seria melhor se encarassem isso como uma história diferente... Pelo menos, é o que eu estou fazendo. Faço isso tanto por mim quanto por vocês.
Um abraço (e, por favor, não desejem a minha morte! Eu ainda sou muito nova para morrer!).