Malfoy, miraculosamente, não disse nada. Harry não sabia se o ex-sonserino ficou calado devido ao bom senso ou estava a procura de uma rota de fuga. Não que Harry não estivesse procurando por algum meio de sair daquela situação, ele mesmo, ao notar a expressão do barman.

Incerto, começou a dizer:

-Aberforth. Não é nada disso que está ...

Mas foi interrompido por Aberforth, antes que pudesse dizer muito mais:

-Não me diga que não é o que estou pensando, rapaz. Não me chame de burro. Além disso, eu prefiro não ouvir que estavam fazendo se esgueirando até a minha casa para me roubar. Ou vai me dizer que precisa de um lugar mais privado para realizar seus negócios?

Harry sentiu o rosto esquentar de vergonha. Nem sabia como responder, mas Aberforth não parecia esperar por uma resposta também.

-Por que quer tanto saber, garoto? Isso é um desejo doentio de saber se eles fodiam? Se Albus pretendia abandonar a família apenas por uma transa? - Aberforth os encarava, sério, e falou com um toque de crueldade. - Pois se é isso que deseja saber, eu vou te contar. Quando se tratava daquele sujeito, Albus pensava com o pau. -Ele fez uma pausa, olhando Malfoy e Harry intensamente. - E é isso que está fazendo, Potter? Pensando com o pau também? Deixando esse sujeitinho inescrupuloso aí te convencer a fazer as coisas que sempre acreditou serem erradas? Vai insistir em mentir para mim e dizer que não pretendia me roubar?

Harry não sabia o que dizer. Notou Malfoy abrir e fechar a boca, visivelmente irritado, mas também não dizer nada.

-Cai fora daqui. Os dois. Tem sorte por eu não denunciá-lo a Kingsley, Potter. Seria uma pena ter sua carreira destruída por causa desse sujeitinho aí. Sai logo daqui.

Harry guardou a capa da invisibilidade no bolso e saiu o mais rápido possível, sem verificar se Malfoy o seguia. Os dois não trocaram nenhuma palavra e não se despediram quando Malfoy seguiu até o ponto de aparatação e Harry foi ao encontro dos amigos que o esperavam em frente ao Cabeça de Javali.

Se Harry achava que o dia não podia piorar depois ser flagrado por Aberforth enquanto tentavam roubá-lo, ele não tinha pensado na reação dos amigos ao pequeno show de Malfoy. Ron estava possesso. Alternava entre "Como pôde, Harry? É Malfoy!" até "Minha irmãzinha não merecia isso". Harry até tentou explicar, mas nenhum dos amigos parecia acreditar no que dizia. Quando Ron não parecia mais agüentar, foi embora. E o pior começou. Neville e Hermione compreendiam! Ou assim pensaram. Eles apoiaram Harry, mesmo que se tratasse de Malfoy, a descobrir suas preferências sexuais e ser feliz.

Nada que disse parecia fazer diferença para eles, então Harry ouviu em silêncio. O longo discurso de Hermione sobre como ela sempre soube que toda aquela raiva entre ele e Malfoy só poderia ser tensão sexual mal resolvida. Sobre a fina linha entre o amor e o ódio. Sobre Harry não se preocupar que ela conversaria com Ron e ele entenderia. E Neville concordar com ela, dizendo que era melhor ter certeza agora do que ter dúvidas mais tarde. Chegaram até mesmo a falar sobre o trabalho de caridade que Narcissa Malfoy fazia e o quanto o trabalho de Draco era reconhecido no meio acadêmico. Quando resolveram dar conselhos sexuais, Harry deu um basta na conversa e saiu o mais rápido possível de lá, desejando apenas que aquele dia fosse um pesadelo. E pensando em chegar em casa e cair no abençoado esquecimento do uísque de fogo.

Seu desejo de se embebedar saiu voando pela janela ao chegar em Grimmauld Place e encontrar Malfoy sentado confortavelmente em sua sala. Bebendo do seu uísque e lendo um de seus livros.

-Malfoy o que está fazendo aqui?

-Pensei que fosse óbvio, Potter.

Harry jogou-se no sofá, fechou os olhos e começou a contar de cem até um, calmamente. Podia se imaginar trocando todos os vidros da casa se deixasse seu temperamento levar a melhor sobre ele. Assustou-se e abriu os olhos para ver Malfoy entregando um copo de uísque de fogo para ele. Tomou o conteúdo de um gole só e Malfoy encheu o copo novamente, sem dizer uma palavra. Harry relaxou aos poucos. Até Malfoy dizer:

-E então? A conversa foi muito ruim?

E Harry relembrou o motivo de sua irritação anterior. Malfoy deve ter percebido isso, pois encheu o copo de Harry e se calou. E esperou. E quando Harry percebeu, estava contando sobre o que os amigos disseram. Em detalhes. Sobre como se sentia envergonhado pelo que Aberforth dissera. Incrédulo sobre Neville e Hermione. Culpado por Ron. E Malfoy apenas ouvia, assentindo às vezes e mantendo o copo de Harry sempre cheio.

Quando terminou, estava sentindo-se bem mais aliviado. E bastante embriagado. Nenhum deles disse nada por um bom tempo. Ficaram assim, apenas bebendo. Harry estava quase cochilando quando Malfoy fez menção de ir embora.

Harry quis levantar para acompanhá-lo a porta, mas Malfoy fez um gesto para impedi-lo.

-Não é necessário. Sei o caminho da porta. Tenha uma boa noite, Potter.

-Harry.

Malfoy ergueu uma sobrancelha, a guisa de questionamento, e Harry continuou rapidamente:

-Bem, eu acho que pode me chamar de Harry. Afinal, nós quase fomos presos hoje e meus amigos pensam que temos um caso e estamos trabalhando juntos há uns dois meses e ...

-Certo, captei sua idéia. -Deu de ombros. - Te chamarei pelo primeiro nome então. Boa noite, Harry.

Normalmente, Harry poderia se irritar com o tom condescendente de Malfoy ou com o sorrisinho superior do outro. Mas Harry, imaginando que aquilo fosse culpa de todo uísque que bebeu, estava distraído demais ao ouvir o modo como Malfoy dizia seu nome. Tão distraído que quase não viu o outro sair.

Harry acordou com uma ressaca infernal no dia seguinte. Felizmente era sábado e não precisava enfrentar sua mesa atolada de papéis naquele dia. Depois do almoço e de um banho demorado, sentia-se quase um ser humano de novo e, antes que perdesse a coragem, aparatou para Hogsmeade. Decidira procurar Aberforth e se desculpar pelo dia anterior.

Não ficou surpreso ao encontrar o bar vazio e Aberforth parecendo esperá-lo enquanto lia o jornal. O barman conduziu até a casa, indicando o caminho até a sala de estar. Assim que sentaram, Harry, respirando fundo, começou:

-Eu sinto muito. Nós não tínhamos o direito.

Harry observou Aberforth. Ele parecia velho, cansado. E o suspiro desanimado e a voz baixa com a qual respondeu, não melhorou essa impressão:

-Não, não tinham. Mas eu ouvi o que disseram. Na verdade, eu ouvi tudo que disseram.

-Ouviu?

-Sim, eu os segui praticamente desde que saíram do meu banheiro. Não interrompi antes porque queria saber do que eram capazes. - Aberforth o encarou, sério. - Vocês não são como eles. Grindelwald e Albus, eu quero dizer.

Harry quis corrigir a impressão do barman, mas não teve tempo. O homem parecia precisar falar, agora que começou.

-Eu não retiro o que disse sobre Albus pensar com o pau quando se tratava daquele sujeito. Merlin sabe que eu os vi mais vezes juntos do que gostaria e seria de esperar de dois bruxos tão poderosos. Ninguém deveria ver o próprio irmão praticando certos tipos de atividades. - Aberforth parecia divertido com o desconforto de Harry, mas continuou, sério. - Mas não era apenas sexo. Qualquer com um pouco de bom senso poderia ver isso. Hoje, sou velho o suficiente para admitir que sentia ciúmes dele. Não pense nada pervertido sobre isso, rapaz.

Dumbledore e sexo eram mais informações que o cérebro de Harry podia processar. Pensar algo pervertido envolvendo Aberforth, não fazia nenhum bem a sua saúde mental. Encarou o barman e percebeu que o homem estava se divertindo a suas custas. Então, Harry apenas assentiu, ligeiramente nauseado. Aberforth continuou:

- Não era segredo para ninguém na família as preferências de meu irmão. Ele podia ficar com quem quisesse, apesar de se dedicar mesmo aos estudos. As pessoas eram encantadas demais pelo poder dele. Monitor-chefe, aluno brilhante. E Doge praticamente lambia o chão que Albus pisava. Quando o outro apareceu, Grindelwald, eles não se tornaram amigos. Ao contrário, era muito comum vê-los discutindo o tempo todo. Os moradores de Godric Hallow's comentavam sobre o comportamento surpreendente de Albus. Apesar de achar que as pessoas eram burras demais para acompanharem seu raciocínio, Albus nunca falava isso abertamente. Mas ele era meu irmão e não me enganava com aquele ar gentil. Então, vê-lo respondendo asperamente a Grindelwald era um choque para todos. Mas não para mim. Eu percebia por trás da fachada. Albus estava encantado. Achava que encontrara alguém que podia entendê-lo. E ele não estava enganado a esse respeito. Grindelwald não apenas o entendia, mas o desafiava, exigia que Albus estivesse constantemente alerta. Não foi surpresa perceber meu irmão cada vez mais distante de suas obrigações. Ver os dois conversando, discutindo era, por falta de uma palavra melhor, exaustivo. Poderiam passar de um assunto a outro com tanta rapidez que eu mal conseguia acompanhar o que era dito. Não apenas eu, mas todos que conviviam com eles a época. Para um estranho, poderiam parecer exaltados ou irados, mas eu apenas via a intensidade da alegria do meu irmão. Eles estavam em um mundo à parte e os simples mortais, como Ariana, não tinham acesso a ele. Era disso que eu tinha ciúmes. De perceber que mesmo sendo família, nunca faríamos parte daquele mundo.

Harry não sabia o que dizer, então se manteve calado e aguardou Aberforth retomar a narrativa:

-Depois do que aconteceu à minha irmã, eu passei muito anos sem falar com Albus. Há alguns anos, resolvemos nossas diferenças, mas nunca chegamos a falar sobre o dia da morte dela. Não queríamos comparar impressões. Não desejavamos absolvição. Todos temos nossa parcela de culpa no acontecido. Mas agora no final da vida eu posso admitir com honestidade que entendi meu irmão. Com pouco mais de dezessete anos, Albus queria fama, ser reconhecido pela sua inteligência e não acabar preso num vilarejo de interior cuidando de irmãos trabalhosos. Grindelwald era uma promessa de sair daquela vida e ser grande. Ser único.

-Mas você acha que ele se uniria a Grindelwald? Tornaria-se um lorde das trevas?

-Não sei. Eu sei que eles poderiam fazer coisas grandes juntos. Albus não era idiota e sabia tão bem quanto eu que para os planos deles, não fazia sentido Ariana segui-los pelo mundo. Era perigoso, era insano, era idiota. E contra tudo que Grindelwald dizia acreditar. Ela era uma fraqueza no plano deles. E eu um incomodo. Para Grindelwald contar efetivamente com Albus, nós dois teríamos que sumir. - Aberforth deu de ombros. - E ele seria capaz de fazer isso e ainda parecer acidente. Se Albus acreditaria ou não, eu não sei. Prefiro acreditar que não. Mas tenho minhas dúvidas. Albus acreditava que estava fazendo as coisas por um bem maior. O que seria mais duas mortes a não ser mais incentivo para encontrar a tal pedra da ressurreição que ele tanto falava?

Voltaram a ficar em silêncio, pensando no que foi dito. Harry sentia-se vazio, sem saber o que achar. Mas imaginava que a situação de Aberforth deveria ser ainda pior, com aquela culpa pela morte da irmã. Então, Harry contou toda a conversa com Albus na Estação King's Cross. Aberforth pareceu reticente no principio, mas emocionado no final. Quando Harry terminou, o barman disse, numa voz embargada, mas sem sinal aparente de choro:

-Sinto muito, Harry. Não contribui em nada para o que você já sabia. Albus tem razão: você é um homem muito melhor do que ele foi na sua idade. - Ele não permitiu Harry a dizer nada e continuou. -Sei que haverá especulações sobre Grindelwald e Albus até a história ser esclarecida.

Harry observou Aberforth se levantar e caminhar até próximo ao quadro de Ariana. Murmurando uma série de feitiços, abriu uma caixa e retirou um maço de cartas antigas de lá. Entregou-as a Harry e disse:

- Eu nunca as abri. Albus me entregou no ano em que morreu, logo depois do acidente com a pedra e quase perder a mão. Eu estou velho. E cansado. Talvez seja hora de passar esse encargo para mais alguém. Mais jovem e melhor. Conto com você para manter Malfoy na linha. Não pense apenas com o pau, Potter.

Harry abriu e fechou a boca, pensando em como responder a isso. Mas desistiu e apenas agradeceu. Aberforth disse que precisava cuidar de suas meninas e Harry aproveitou a deixa para ir embora.

-x-

Draco quase teve um enfarte quando Harry contou sobre as cartas. E ficou furioso ao saber que ele não poderia lê-las. Ou melhor, leria apenas as que Harry permitisse. Ele esbravejou, xingou, quebrou um vaso horroroso de Harry com uma azaração (pelo que Harry ficou muito grato apesar de ser presente de Ginny), pediu e teria continuado indefinidamente se Harry não estivesse irredutível a respeito.

Assim, Harry passou os meses seguintes lendo cartas de todos os tipos que Dumbledore acumulou durante a vida. Muitas cartas com os nomes mais notáveis da magia, pessoas que Harry reconhecia mais pelas figurinhas dos sapos de chocolate que de livros. Essas, Harry separava para mostrar a Hermione e Malfoy. Poderia ter alguma coisa de importante ali. Também havia cartas do Ministério, dos professores. E havia as pessoais: do pai, da mãe, alguns desenhos da irmã, de colegas da escola, muitas de Elphias Doge, dos próprios pais de Harry. E em um monte especial, as poucas cartas trocadas entre Dumbledore e Grindelwald.

A leitura não era fácil. As diferentes caligrafias nem sempre ajudavam e por ser apenas "metade" do assunto, já que Dumbledore mantinha só as respostas que recebia, Harry nem sempre entendia do que se tratava. E notou que o tom dessas respostas mudava, mas respeito e admiração estavam sempre por lá. Aos poucos percebeu também que com o tempo, isso apenas isolava Dumbledore. Era com tristeza que Harry observava que a pilha de cartas pessoais diminuía consideravelmente.

Naquele meio tempo, Ginny fez uma pausa nas viagens e passou um tempo na Toca. Pela primeira vez, Harry não sentiu a menor vontade de reatarem o namoro provisoriamente. Não ajudou em nada Ron contar a irmã sobre Draco. Apesar de terem conversado novamente e retomado a rotina de pubs (inclusive indo ao Cabeça de Javali), Ron não acreditava em Harry quando ele dizia não ter nada com Draco. Não ajudava também Hermione, Neville e agora Hannah lançarem olhares que diziam "Certo, não tem nada. Nós sabemos".

E não ajudava seu relacionamento com Ginny não sentir vontade de sair com ela para qualquer programa e preferir muito mais continuar encontrando-se com Draco e discutindo o teor das cartas. Ou como o restante da pesquisa do livro estava indo. Ou simplesmente tendo a companhia do outro para um drinque depois de um dia estressante em campo ou guerreando com sua pilha de papéis. Nem o fato de que Draco poderia chegar no Ministério, exigir que Harry colocasse o feitiço de silêncio, e começar a dizer o problema em certa passagem do livro ou dificuldade em entender algo. E Harry sentar lá e ouvi-lo, e muitas vezes não dizer nada, até Draco extravasar tudo e ir embora. Essas cenas se repetirem com Draco aparecendo em Grimmauld Place nos finais de semana ou à noite. Nessas ocasiões, Harry insistia para Draco continuar trabalhando por lá mesmo.

E não ajudava também continuar a ter reações impróprias a Draco. Harry não era idiota para permanecer em negação. Sabia que Draco o atraía. Que entre azarar ou socar o outro em um momento de raiva, iria preferir agarrá-lo, beijá-lo e fudê-lo sobre a superfície mais próxima. Ou ser fudido. Não tinha problemas realmente com isso. O problema mesmo era que, depois da cena no banheiro do Cabeça de Javali, Draco não se aproximara novamente de Harry.

Então, não era culpa de Harry preferir não somar uma ruiva geniosa à confusão que se encontrava ultimamente, não é? Ainda mais quando se encontrava tão fascinado com o que descobria sobre Dumbledore enquanto lia suas cartas.

-x-

Harry praticamente corria. Estava atrasado e ainda sentindo os efeitos da bebedeira da noite anterior. Encontrara com os amigos no Cabeça de Javali e não falaram de outra coisa a não ser o lançamento do novo livro de Draco para a próxima semana. Hermione e Neville sentiam que era missão de suas vidas descobrir tudo que pudessem a respeito. Não contribuía para suas desculpas Draco ter dito, em entrevista com o Profeta Diário, ter incluído uma parte especial dedicada a Albus Dumbledore da qual Harry Potter era co-autor.

Então, tentaram pedir, chorar, implorar, ameaçar e por fim, embebedá-lo para que contasse o que sabia. Em vão. Harry poderia falar sobre outros assuntos relacionados às cartas, mas ao livro? Não disse nem uma palavra. Foi uma noite divertida e nem a presença irritada de Ginny por falarem apenas de Draco, conseguiu estragá-la.

Harry parou, respirou fundo e tentou compor sua expressão mais grifinória para abrir a porta. O que não alterou em nada a expressão da fera a sua frente. A sra Dumsberg estreitou os olhos ao vê-lo, mas perguntou naquela mesma voz de quando Harry estivera lá pela primeira vez:

-Boa tarde, senhor. Em que posso ajudá-lo?

-Boa tarde. Eu gostaria de falar com Draco Malfoy.

-Tem hora marcada?

-Sim.

Harry teve o prazer de ver a surpresa dela. Finalmente, um ponto para ele. Mas ela não se deu por vencida. Com um movimento preciso de varinha, a agenda abriu em quinze de março e o nome de Harry aparecia claramente lá. Harry poderia ter feito a dancinha da vitória quando ela o anunciou, mas achou melhor não testar a própria sorte. Apenas deu um meio sorriso antes de entrar no escritório de Draco.

-Potter. O que faz aqui?

-Tenho hora marcada.

-Tem?

-Tenho. Marquei na primeira vez que estive aqui.

Draco começou a rir.

-Há um ano?

-É, há um ano. Era o único horário livre. - Harry observou, confuso, Draco rir ainda mais. Até que a compreensão o atingiu. - Foi de propósito! Eu não posso acreditar nisso.

Draco ainda riu mais um pouco até conseguir dizer:

-Desculpe, Potter. Mas assim que a sra Dumsberg veio trabalhar comigo, ela pediu orientações e eu acabei dizendo isso. Se você aparecesse, ela marcaria hora para daí a um ano. Nunca imaginei que você poderia realmente aparecer ou ela fosse levar isso a sério.

-Ela me odeia.

-Aham. - Draco disse e voltou a rir.

Harry acabou rindo também.

-E a falta de modos não melhorou desde aquele dia. Não me diz para sentar. Não oferece um café, água, nada aos seus clientes, Malfoy?

-E desde quando eu preciso te falar para ficar a vontade, Potter? E seja honesto, teria coragem de beber alguma coisa servida pela sra Dumsberg?

Harry apenas negou, sorrindo.

-E então? O que pretende fazer na sua hora?

Harry contornou a cadeira de Draco e parou de frente para ele.

- Hermione me ensinou um feitiço de silêncio ainda mais eficiente. E eu gostaria de testar. O que me diz?

- Não sei. O feitiço é realmente bom? Seria bastante constrangedor se a sra Dumsberg invadisse meu escritório se você for um pouco mais vocal.

Harry fez o feitiço e ajoelhou-se na frente de Draco, entre as pernas dele.

-Só há um meio de sabermos.

Mais ou menos uma hora depois, Draco pediu a sra Dumsberg para cancelar seus compromissos da tarde. Apesar da voz ofegante de Draco, a secretária não teria nada a suspeitar sobre as atividades deles. Se não fosse o escritório do chefe estar silencioso até demais. E o modo como ele gemeu "Harry" pouco antes de finalizar o feitiço de comunicação.

Ninguém ouviu a sra Dumsberg sussurrar "esses meninos" ou quase sorrir antes de fazer como o chefe pediu e cancelar os compromissos dele.

-x-

A primeira cópia do novo livro de Draco Malfoy chegou para Aberforth Dumbledore um dia antes do lançamento oficial. Dentro do embrulho elegante, junto ao livro, encontrou um bilhete e um pergaminho dando amostras de ter sido manuseado muitas vezes. Leu o bilhete, que dizia simplesmente:

"Sr. Dumbledore,

Sei que não quis ler as cartas deixadas pelo Professor Dumbledore, mas depois de discutir com Draco, achamos que deveria abrir uma exceção para essa. Boa leitura.

Obrigado pela ajuda inestimável.

Harry Potter & Draco Malfoy."

Aberforth observou o bilhete mais um tempo antes de desdobrar o pergaminho com as mãos trêmulas. O pergaminho estava completamente escrito, numa letra elegante e firme. Ele leu:

"Olá, Albus.

Estranho como começar essa carta foi a parte mais difícil. Não sei mais como chamá-lo. Papel e tinta são artigos raros em Nurmengard e apesar de compor essa carta em minha mente há 50 anos, sempre ficava em dúvida em como iniciá-la.

Pensar sempre foi meu forte. E aqui, na torre mais alta da prisão que construí, não restou muito mais a fazer. Então, eu penso. E escrevo cartas mentais que nunca irei enviar.

Já o amaldiçoei vezes sem contas. Já pensei em inúmeras azarações ou poções que poderia usar na carta, se tivesse os meios. O desejo de vingança foi esfriando com o tempo. Mas as cartas não. Nem os diálogos que teria com você. Estranho como não consigo mais prever o que você responderia em determinada situação. Ou se mesmo o que antes era uma inovação, hoje se tornou ultrapassado. Queria saber o que há de novo. Queria ler. Queria saber mais sobre você. Sei que está em Hogwarts, mas e o restante? Descobriu os doze usos do sangue de dragão? Conheceu o mundo como tanto queria? Aquele puxa-saco do Doge finalmente te conquistou? Casou-se e teve filhos? Fez as pazes com seu irmão? Os guardas não me falam de você. Eles não me falam muito.

Mas mesmo em Nurmengard, eu ouço rumores sobre o tal lorde. Sabe que mais cedo ou mais tarde ele irá atrás de você, não é? Esse é o preço por possuir a Elder. Nós sempre soubemos isso. Quando fui preso, era sobre a varinha que mais pensava. Em como ela me traiu. Era para eu ser invencível. Mas perdi. Para você. Eu acho que a varinha sabia melhor que eu a não se voltar contra o Mestre, não é? Hoje, eu me preocupo com você. Estamos velhos, Albus. Estou cansado. Você sente o peso dos anos nos ossos? Das decisões erradas?

Eu falei que não saberia prever suas respostas, Albus. Mas alguma vez eu soube? Você sempre foi tão imprevisível. Fabulosamente genial. E tão leal a sua família. Nunca te perdoei por tê-los escolhidos a mim. Nunca me perdoei por não ter te escolhido.

Sinto o tempo se esvaindo como esse pergaminho. Tantos anos compondo essa carta e percebo, com tristeza, ter desperdiçado o papel precioso não dizendo nada. Assim como aconteceu com minha vida. Nossa vida.

Sei que nunca receberei uma resposta. Deixei de pertencer ao mundo dos vivos há anos. Mas gostaria de pedir que se cuidasse. E procure seu irmão se ainda não o procurou. Espero que tenha corrigido o nariz que ele quebrou. Eu realmente gostava de seu nariz. E boca. E o modo como seus olhos brilhavam. Sinto muito por sua irmã também. Não foi meu primeiro erro, mas foi o maior.

Nos vemos na próxima etapa da grande aventura, Albus.

Gellert.

Nurmengard, 1995."

Aberforth terminou de ler a carta, se perguntando quantas vezes Albus não teria relido aquelas palavras. Sentia uma certa tristeza pelo irmão e uma sensação de alívio que não experimentava há anos. Pegou o livro entre as mãos, fechou as portas do bar e foi para casa. Na próxima vez que visse Potter, faria um drinque especial para ele. E talvez até deixasse o tal Malfoy sentar com eles. Mas não hoje. Hoje queria apenas voltar para casa e sentar-se próximo a Ariana. E não pensar em quando se uniria a eles na próxima grande aventura.

FIM


Notas

1 - Não tenho certeza se ela recusou mesmo, mas no Lexicon diz que ela retornou a Hogwarts para concluir o sétimo ano.

2 - Marck lembrou o motivo real: bananas. (E me fez perder o resto do sono ¬¬)

3 - Dumsberg foi o nome amavelmente sugerido pela Tachel.