Interlúdio

- Descansaram bastante, meninos ?

O levantar da sobrancelha esquerda de Severus ante a frase quase ridícula do bom doutor me deu o tom do que ele estava pensando. Como agora eu consigo adivinhar o que ele diz sem falar, sendo que até anteontem eu nem imaginava o que ele sentia por mim ?

Faro, John : parece que finalmente você está aprendendo alguma coisa em minha companhia, comentou divertidominha perversa alma lupina.

- Bastante, Theodorus. Estamos terminando afinal o período da Lua Azul, estou começando a me sentir vivo outra vez.

Ah, John, que coisa feia mentir tão descaramente ao bom velhinho... Descansar foi o que menos foi feito nesse quarto hoje.

- Perfeito, perfeito... então acho que não será mais necessário que Snape o acompanhe esta noite.

Inferno Gelado. Eu e minha mania de ser gentil !

Saia dessa agora, Lupin... você e sua boca grande. Eu vou é comer a ração que a dragão-Weasley-fêmea fez, porque estou mais faminto que uma matilha de lobos...culpa exclusivamente sua.

Essa saída gloriosa com direito a dança de vestes e sorrisinho sarcástico não vai ficar sem troco, Severus Snape...

- Acho que não é o momento de separar Remus de Severus, meu caro Theodorus... não, decididamente não é o momento. O momento é de apreciarmos as boas coisas da vida, como esse delicioso aroma que vem da cozinha... Janta conosco, Theodorus ?

Dumbledore disse o que eu acho que ele disse ? Calma, Remus, calma... no mínimo deve estar escrito na sua testa "estou feliz" para o Dumbledore falar isso.

Ou você está cheirando como um macho satisfeito, meu caríssimo John...

Quieto, Lobo ! Eu tomei banho ! Aliás, dois...

É sua mente que precisa ser limpa, meu pequenino hospedeiro, não seu corpo... mas, agora que acordei, vamos ao jantar. Quem nos servirá ? Ou você vai parar com a encenação e descer para jantar com todos os comensais da poderosa ordem do passarinho de fogo ?

Lobo...

John...

- Será um prazer imenso, Albus ! Desce conosco, Remus ?

- O que deu no Snape ? Ele não reclamou nem uma vez de nada... absolutamente NADA...e está comendo feito um troll alucinado... que raio de feitiço ele está usando no Lupin para ficar assim ?

- Cala a boca e enche ela de sopa,Fred, senão ele desencanta e vira pro nosso lado!

Weasleys... não sei como um sonso feito o Arthur teve energia para fazer esses dois diabretes de uma vez. Vou ter de soltar um jato de fogo e queimar um pouco as penas desses dois projetos da ala juvenil da fênix, só para não perder o jeito.

- Weasley, eu ouvi isso. E nem sonhem em querer saber qual é o feitiço antes de saberem limpar as próprias...

- Ah, que nosso doente finalmente apareceu ! Está com um aspecto bem melhor, Remus !

Sem olhares oblíquos, Snape, depois da infelicidade do meu último comentário, só descendo mesmo para tentar manter o que restou da minha dignidade.

- Obrigado, Molly.

- Consegue servir-se sozinho, Lupin, ou ainda precisa de auxílio depois de descer sozinho a escada?

- Daqui a pouco EU te mostro o que preciso, Snape... quase rosnou em voz alta meu alter-ego praticamente aflorado.

- Obrigado, Severus, não é necessário.

- Imagine, Remus, deixa que eu faço seu prato.

- Não, Molly, não quero dar trabalho.

- Não é trabalho nenhum, Remus. Vamos, assim... agora coma tudo. Queremos ver você bem forte e recuperado logo.

Vai, Remus, segue o fluxo da corrente. Coma tudo, meu lobinho... todos nós queremos você bem forte. Felizmente, não pelos mesmos motivos. Assim eles pensam que você vai poder brincar de homem-bomba mais cedo para a feliz família da Ordem da Fênix, e todos irão aplaudir e brindar com sopa Weasley ao novo e ineficaz ataque aos Comensais da Morte. Com direito a foto para a posteridade.

- Vou descer e preparar o porão.

- Preparar ?

- As correntes. Preciso preparar as correntes.

Isso foi um suspiro de alívio coletivo ? E esses são os melhores no combate ao Lord das Trevas... se ele não fosse tão arrogante e egocêntrico já estaria no controle do mundo bruxo há anos.

E eu estaria só.

Xoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxo

Preparei um local onde pudesse descansar naquela noite, fazendo algo para meu parceiro de quatro patas descansar igualmente. Necessitávamos disso, após o arroubo diurno dos humanos envolvidos nesse estranho trio de seres mágicos.

Remus desceu um pouco antes das seis da tarde, e calmamente trancou a porta, isolando-nos do mundo. Como se estivesse só começou a tirar as roupas de uma forma quase mecânica, para então dar-se conta de minha presença. Um saudável rubor coloriu-lhe a face, como se fosse algo estranho eu vê-lo assim nu. Ah, meu eterno menino grifinório... vergonha e temeridade se juntando tão bem na mesma alma que eu amo tanto. Como se eu não conhecesse cada centímetro desse corpo, depois desse dia...

Mas agora é a hora da fera, e isso exige preparação.

E eu me preparo para receber o lobo, enquanto Remus abandona aquele corpo à maldição que é sua sina.

E eu recebo a fera que me olha fixamente os lábios, como se perguntando : "Não vai nem tentar hoje, companheiro ?"

- Não, não é necessário. Fiz uma cama para nós. Venha.

O Lobo se aproxima devagar, e sem tirar os olhos de mim cheira e remexe no cobertor que eu ajeitei no chão para nos servir de cama. Com algo parecido com um levantar de ombros ele se deita, sempre me fitando com seu olhar perfurante e alerta : será que eu não vou deitar também ?

- Sim, já vou, companheiro.

E sem demonstrar o medo que ainda reside em meu peito por estar com uma das piores feras do mundo mágico, eu me deito a seu lado.

E ouvindo sua respiração constante e invariável eu adormeço serenamente, completamente lúcido da loucura que é minha vida.