Capítulo 01: Olhos iguais aos meus

Mais um dia se passou e a floresta tornou-se escura... exatamente como minha alma. Deitado de costas sob a terra fria tentei encontrar os raios lunares, porém eles eram incapazes de penetrar a densa folhagem no topo das árvores. Nenhuma luz conseguiria chegar até aquele lugar... assim como em meu coração.

Eu e a floresta tínhamos muito em comum, mas a maior das similaridade era que para aqueles que não tomavam o devido cuidado... ambos éramos mortais.

Depois de outra noite no silêncio da solidão, abri meus olhos pela manhã e me sentei enquanto erguia meu corpo antes em repouso e encontrava em minha frente uma cobra que me encarava como se olhasse o seu jantar. Ofendido por ser alvo de um simples réptil, com um rápido movimento puxei minha adaga da cintura e cortei-lhe a cabeça, havia acabado de conseguir o café da manhã.

Preparei a carne como pude, com água do rio, uma fogueira e ervas que podiam ser encontradas em diferentes lugares. Eu não era um bom cozinheiro, mas sabia o suficiente para não morrer de fome, conhecimento esse que me ajudou a sobreviver durante os últimos cinco anos, tempo em que estive naquela floresta.

Terminei o meu desjejum e depois de descansar me preparei para os exercícios. Coloquei a minha antiga máscara da Anbu, me certifiquei de que estava carregando minha katana, minhas adagas, kunais, shurikens e por último amarrei ao cinto a pequena sacola que serviria para as atividades de hoje.

Com a floresta já clara o suficiente para poder enxergar sem dificuldades, comecei subindo em um árvore e dela segui adiante, pulando de galho em galho. Pelos meus cálculos era sexta-feira, então era dia de pegar frutas.

Todo o conhecimento que eu tinha era voltado para métodos de matar uma pessoa, então só podia fazer uso de tais habilidades, mesmo que o propósito fosse diferente.

Vi mais á frente três maçãs, sem hesitar peguei três shurikens e as lancei, cortando a conexão do galho com as frutas e fazendo-as cair. Acelerei meus saltos e as peguei ainda em pleno ar, colocando-as em seguida na sacola e depois recuperando as shurikens que ficaram presas na árvore em frente. Pouco a pouco a variedade de frutas foi aparecendo e a sacola que eu carregava foi enchendo.

Fazendo uso de todos os meus instrumentos de trabalho e de técnicas como; pontaria, força e velocidade, logo a minha tarefa estava cumprida. Com frutas o suficiente para passar a semana, regressei ao ponto de partida e guardei-as no topo da árvore para evitar que fossem alcançadas por animais famintos. Depois fui em direção ao rio para abastecer o meu estoque de água.

Como sempre... tudo estava tranquilo. Apesar de ser uma floresta cheia de animais ferozes e famintos, ela era muito bonita para alguém que conseguia sobreviver nela e esta beleza estava sempre visível.

Ao chegar na única fonte de água presente em quilômetros, enchi o balde e os outros recipientes que tinha trazido comigo. Ia aproveitar para lavar o rosto, mas fui impedido de revelar meu rosto pela súbita presença que apareceu atrás de mim.

Saquei minha katana das costas e me virei pronto para matar o que quer que fosse, porém tive que interromper o meu movimento ao perceber que inacreditavelmente era humano e para piorar... uma criança. Seus olhos azuis como a água, agora de frente para mim, encaravam minha lâmina com grande medo, fazendo-me perceber que eu a mantinha perto de seu pescoço.

Passado o choque e a surpresa, guardei a katana de volta em sua bainha e me levantei, recolhi minha água e me preparei para partir. Já de costas para ele, ouvi um sussuro que dizia: "Pensei que fosse morrer" e depois senti sobre mim o seu olhar curioso e interrogativo.

— Vá para casa. Essa floresta não é um lugar para crianças — alertei-o com uma voz séria e ameaçadora. Não era como se eu me importasse com o que iria acontecer a um pirralho que acabei de conhecer, mas não queria ter mais arrependimentos em minha vida e tinha certeza de que se simplesmente o largasse ali, iria me arrepender amargamente.

— Eu não sou uma criança! E não quero... voltar para casa — Ao ouvir suas palavras desisti de seguir para longe e me virei rapidamente em sua direção pronto para gritar com ele por sua insolência e estupidez, porém ao encará-lo e ver seus olhos, rapidamente compreendi.

Ele fugiu de um lugar onde não queria estar... Ele era solitário e triste, e se não fosse aquele pouco de inocência que ainda podia ser encontrada no fundo dos seus olhos, eu podia dizer que já havia visto aquele olhar antes inúmeras vezes... Aquele olhar que era igual ao meu.

— Se ficar aqui... vai morrer. Tem certeza que é isso o que quer? — perguntei em um tom mais ameno fazendo ele desviar seus olhos de minha direção. Avaliei o garoto que não parecia ter mais do que doze ou treze anos e esperei alguns segundos por uma resposta. Quando ele nada respondeu, pensei em dizer-lhe novamente para ir embora, porém ouvi seu estômago roncar e ele envergonhado abaixar ainda mais a cabeça.

Dei um longo suspiro enquanto pensava no que deveria fazer e no fim, optei pela ação mais idiota que consegui pensar:

— Venha comigo. Por hora é melhor você comer alguma coisa — expliquei já voltando a andar e sentindo a sua presença me seguir. Ele estava assustado com a floresta, apesar de tentar disfarçar, porém o medo era visível em suas ações. Ele andava poucos centímetros atrás de mim e sempre que temia por algo, segurava levemente na barra da minha camisa em busca de proteção. Mas mesmo assim, não hesitou em me acompanhar enquanto seguia entre as árvores.

Andamos por cerca de uma hora. Uma longa, longa caminhada, ainda mais quando se está sendo acompanhado por outra pessoa. Ele parecia querer dizer algo, mas estava se contendo para não se pronunciar e o silêncio que sempre era bem apreciado por mim, naquele momento começou a tornar-se desconfortável.

— ... Desculpe pelo susto mais cedo — disse ainda caminhando e sem olhar em sua direção. Estava tão acostumado a ficar sozinho que por um momento temi em iniciar uma conversa, mas ela era necessária, pois eu precisava saber o que levou aquele garoto até ali e como poderia evitar que ele voltasse para perturbar a minha solitária paz.

— Tudo bem... A culpa foi minha por não ter dito nada ao me aproximar — respondeu mostrando ser mais maduro do que aparentava ser.

Já estávamos chegamos ao meu pequeno acampamento, então optei por deixar as minhas perguntas para mais tarde. Guardei a água dentro de uma árvore oca que eu usava como um armário e depois subi na árvore e tirei da sacola algumas frutas que dei a ele para comer.

Sem dizer nem sequer uma palavra, ele comeu tudo enquanto me encarava com olhos ainda curiosos. E por algum motivo, tudo o que conseguia sentir ao olhar para ele era... preocupação. Ele me seguiu sem hesitar e comeu o que eu lhe ofereci sem duvidar de que pudesse ser algo perigoso, apesar de parecer maduro, em alguns quesitos era uma criança assustadoramente inocente.

— Obrigado pela comida — agradeceu quando terminou de comer, mostrando um pequeno sorriso em seus lábios.

— Agora é melhor você ir para casa. Esse lugar é perigoso — alertei novamente, vendo-o me encarar com uma expressão confusa. "Eu sou perigoso" era o que eu realmente queria dizer, porém as palavras não deixaram minha boca.

— Onde você mora? Me diga e te levarei até lá — ofereci já me levantando e seguindo na mesma direção em que viemos. Tudo o que eu queria agora era deixá-lo em um lugar seguro e nunca mais vê-lo.

Por quê?

Porque toda vez que eu olhava em seus olhos solitários, me identificava com ele e ao mesmo tempo ficava preocupado. A preocupação era um sentimento e para alguém como eu, isso era desnecessário. Afinal... eu era um assassino.

Após mais uma longa caminhada, chegamos no rio e seguindo a descrição dos lugares por onde ele passou até chegar naquela fonte de água, encontrei a trilha que o trouxe para a floresta e vi de longe uma grande casa que ficava ao norte.

Ele começou a andar pela trilha e enquanto eu o observava o garoto se virou, ergueu os braços até atrás da cabeça e com um sorriso divertido, disse-me: — Aquelas frutas estavam deliciosas! Obrigado mais uma vez, moço estranho e até amanhã — agradeceu antes de desaparecer entre as folhagens e galhos.

"Moço estranho" fiquei tão concentrado naquelas duas palavras que só minutos mais tarde me dei conta do que foi dito depois disso... "até amanhã"

— Não volte, pirralho idiota! — disse para o nada antes de ir caçar alguma carne para o meu almoço. Eu estava meio irritado pelo encontro inesperado e por ser chamado de estranho, então acabei por matar um urso, o que foi um desperdício de carne já que não tinha uma geladeira.

O resto do dia se passou como o de costume e para a minha felicidade sem mais surpresas. A noite novamente foi fria e escura, logo depois um novo dia chegou. Sábado era o dia de colher ervas, então segui os meus planos, porém naquele dia tive que ir mais longe do que o normal e por isso demorei mais para voltar. Durante todo o percurso de volta ao meu acampamento, aquelas duas palavras não saíram de minha cabeça... "até amanhã"

— Aquele garoto não é louco, ele não vai voltar. Apenas esqueça-o... — praguejei enquanto chutava consecutivamente uma árvore, com raiva de mim mesmo por estar tão preocupado. — E além disso ele me chamou de estranho, não é da minha conta se ele for devorado por um urso, um tigre ou um crocodilo... Ah! Droga! — gritei mais alto e chutei a árvore com mais força, árvore essa que acabou por quebrar.

Dois minutos mais tarde eu estava á caminho do rio...

Não era que eu estivesse preocupado, era apenas que se ele desaparecesse outras pessoas viriam procurar por ele e eu teria ainda mais problemas, esse era o motivo...

Era o que eu dizia a mim mesmo como desculpa para a minha preocupação com aquela criança que parecia-se muito comigo e ao mesmo tempo era tão diferente.